quinta-feira, 4 de setembro de 2008

armário de cima


Tive que olhar os textos velhos, por uma dessas questões de saudade ou solidão. Sei que eles ficam ali, na parte encimada do armário, exatamente para que eu não dê idéia de revisitações. Meu pequeno museu de palavras fósseis, cheio de insetos e resmungos (ou incertos e musgos). As pastas ficam lá encima para que eu não as alcance e para que amarelem sem cochichos. Mas, você sabe, tive que olhá-las. Há momentos que pedem esse tipo de passado.
Gosto mais das coisas que escrevi no ensino médio, menos das coisas que ficaram antes disso. Conversando com a fernanda, lembrei que o ensino médio me passou desapercebido. Nada que vivia refletia nos meus textos, não de forma direta. Eu permanecia alheio às preocupações gerais, inventando músicas nas aulas de física, e olhando os decotes das mocinhas, como fossem países temperados. Por isso esses textos de época soam sempre tão a parte. Tão partidos. Parecem rabos de lagartixa.
Eu os cozinhava nas folhas finais de caderno. E tanto prestava, que no fim do ano, o caderno era mais completo de trás pra frente que de frente pra trás. Tinha quase sempre a fronteira do mundo: a parte em que as cadeias de polímeros desoxidantes se encontravam com as conversas com a meia-noite.
Tem gente por aí que morre de medo do próprio passado. Ou que não entende para que diabos ele existe. Tem gente que pega o passado feito uma máquina de modular nuvens, e não sabe o que fazer com ele. Acha trambolhoso, afiado nas bordas, pesado. Eu não.
Tenho muito desse orgulho tolinho pelo meu passado. E hoje pego minhas coisas antigas para me alegrar ou me entristecer, nos momentos que preciso. Queria tanto lembrar mais, saber mais do que eu era, só que ficou tudo nublado. Ficou tudo manchado de chuva. Culpa dessa mente de pernilongo que eu tenho. Cheia de insetos e resmungos.

2 comentários:

  1. É difícil definir o exato momento em que a gente passa a saber de si. Em que a gente entende que existe outro mundo além daquele de fora com o qual nos acostumamos. Às vezes tenho a impressão de que algum circuito do cérebro pára de funcionar e nessas horas as coisas de fora viram apenas pano de fundo, cenário pra nossa vida. Aí voltamos a ser criança e a ignorar essas coisas todas, do mundo e da gente.

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  2. Eu escrevia diários desde antes de aprender a escrever 'completamente'. Um diario cor-de-rosa, com uma chavinha.
    Hoje eu tenho dezenas de cadernos espalhados pela casa, pelos guardados antigos. Chamex espalhados por toda minha vida...
    Recortes históricos!!!!
    Você jamais se 'veria' mais nos seus textos, eles são (eternamente?) partes...

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pode falar, eu não estou ouvindo