De volta

Quero de volta o respeito que perdi pelo mau uso das palavras e do sentir.Pela conduta repetitiva e viciada, as frases prontas, as décimas quintas intenções.Quero de volta a primeira intenção, a que está nua de poréns e condições. Quero de volta a sinceridade que cedeu lugar à falta de tato, a graça que se esqueceu na bazófia, o riso que agora é escracho. Quero de volta as conversas longas e anoitecidas, os grandes sorrisos e as pequenas tristezas. Não quero mais ser triste por peso ou culpa, nem quero ser alegre por excesso e imprudência. Quero a tristeza que vem do instante e a alegria que vem do infinito. Quero de volta o tempo que perdi queimando as asas em minhas costas só para ter certeza de que eram realmente minhas. Quero mudar meu nome para Antes e meu sobrenome para Agora. Quero de volta a vó que fazia doce, a tia que pintava quadros. Quero meu cão que sorria com os olhos. Quero de volta os filhos que terei, as viagens que farei e o fio do labirinto.Quero ter medo de coisas tolas – e não ter medo de nada. Já cansei de estar sozinho e pouco . Já cansei de estar cansado e gordo. Agora eu quero aprender uma arte nova, agora eu quero uma vontade cor de água. Quero inventar um outro idioma, e esquecer a língua do excesso. E o silêncio que eu quero não é esse, a sorte que eu quero é de outro naipe. Quero de volta o meu direito de ouvir, o meu dever de andar e a minha vontade de evoluir. E sei muito bem, pela candura desse vento, pela rudeza dessas pedras, que tudo que eu quero terei de conseguir por mim. Mas não sozinho. Quero de volta a confiança nos outros e a partilha do sorriso ou da agrura. Quero de volta o sim, o não, e toda a bela conjectura.