terça-feira, 3 de março de 2009

O cara com as ervilhas


Fico pensando as vezes em Gregor Mendel, o cara com as ervilhas. Mendel é para mim a acepção mais perfeita do conceito de “levar uma vida de alto risco”. Como assim, se indagaria Maria. Como assim? Um monge que passou a existência em um monastério trabalhando com a planta mais prosaica da natureza? E o pior: polonês! Um monge polonês é o seu arquétipo de vida de alto risco? Com aqueles óculos redondinhos e aquela cara gorda de tia do vizinho? É isso mesmo.

Afinal, me dói no fundo da alma imaginar o que o Mendel pensava ao mexer com ervilhas! Ele era jovem! E passava seu tempo cruzando ervilhas! Nada mais sem graça que um ervilha. Quero dizer, a coisa não tem nem gosto definido, você morde e é como se tivesse mordido uma semente de vento. Enquanto os outros monges provavelmente faziam as coisas divertidas que monges fazem como beber, engordar, aliciar menores ou participar de festas religiosas, lá estava o Gregor, o bizarro, trabalhando com suas ervilhas. E isso em um momento histórico em que o que ele suspeitava cientificamente nem passava pela mente adormecida da humanidade.

Eu me lembro de Mendel toda vez que me pergunto se estou fazendo a coisa certa. Se meu tempo está sendo gasto na construção de um futuro memorável. Por que muitas vezes, muitas mesmo, eu me acho com a sensação terrível de que tudo que eu faço é ridículo, que são favas contadas para o fracasso. Escrever num blog? Fazer jornalismo? Não parece sonho pueril? E os planos maiores que faço, mesmo que se pareçam geniais no momento da sua criação, com o tempo vão desbotando e se tornando risíveis. Aí me lembro do Gregor. O cara não era um artista, um escritor, nada. Por que para os artistas é fácil se auto-definirem como gênios incompreendidos, dizer que ninguém entende nada e que o tempo mostrará que estavam certos. Não, não, o rapaz era um monge e um botânico. Será quantas vezes ele não pensou em sua cela, vendo seus vasinhos com ervilhas, que estava perdendo sua preciosa vida com futilidades? Será que ele não ponderava: puta que pariu, por que eu não fui ser médico? Ou advogado? Por que eu não estou rezando? Será que não estou arriscando minha vida com algo sem futuro?

O resultado de seu trabalho precisou de 35 anos para ser descoberto e levado a sério. Por 35 anos seus artigos permaneceram esquecidos em bibliotecas até que os estudos da genética alcançassem aquilo que ele havia concluído. Eu me lembro disso quando começo a imaginar que deveria estar na rua bebendo e transando e “aproveitando” a minha juventude ao invés de ficar em casa desenvolvendo coisas estranhas. Quase sempre funciona.

Um comentário:

  1. Boooooa! (Essa é minha máxima exclamação de congratulação. Sério. Eu sou péssimo com elogios)

    È impressionante como as vezes a gente se pega fazendo esse tipo de escolha. Acho que tem um livro do John Fante em que um editor diz pra um autor que ele vai ter que escolher entre viver ou escrever, não dá pra fazer as duas coisas. E o Mendel se saiu bem, no final das contas.

    E vendo essa foto, você também não acha que o Phillip Seymour-Hoffman deveria fazer o papel de Mendel num filme?

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pode falar, eu não estou ouvindo