segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Feliz Natal


Na madrugada de ontem assisti ao filme Joyeux Nöel, ou Feliz Natal, na versão portuguesa. Há algum tempo eu não me animo a comentar nada sobre filmes. A gente acaba se cansando de ter que pisar em ovos para dizer que um filme é bom ou ruim, por que há que se considerar o olhar domesticado, o melodrama hollywoodiano, o cinema de ruptura e etc. Há que se qualificar o gosto, medir a intensidade da fruição, e transformar qualquer coisa em juízo de valor. Por isso, quando saí da faculdade, prometi a mim mesmo que a única qualificação sincera que me valeria quanto a cinema seria: gostei ou não gostei.


Melodramas a parte, eu gostei muito de Feliz Natal. Gostei principalmente por que ele se empenha em destruir grandes lugares-comuns no nosso bestiário cultural. E espezinhar uma série de clichês menores que adoramos revisitar insistentemente.

A história se passa em 1914, durante a Primeira Guerra. Em algum lugar da França, exércitos alemães, franceses e escoceses se entrincheiram mas, na noite de Natal, resolvem oficializar um cessar-fogo. Os soldados se confraternizam e vão pouco a pouco destruindo a imagem não-humana do inimigo. Uma imagem que foi construída por pessoas que não estão no front, por instituições que se interessam mais na guerra que nos soldados. Ao dar aos personagens de todos os lados características humanas, pequenos dramas e grandes projetos, o filme torna lentamente a idéia de guerra uma incongruência.E isso não apenas para os soldados, mas para os espectadores. Como continuar a guerra? Por que continuá-la? Se as semelhanças são muito maiores que as diferenças? Se podemos beber juntos, jogar futebol juntos, se nos encantamos com a música juntos? Qual é mesmo o motivo de se estar considerando o inimigo como uma entidade mecânica, inumana, extraterrestre?

O primeiro pequeno vício que o filme trata de execrar é o de vincular alemães em guerra ao nazismo. Nada de suásticas, nada de personificações do Mal dissecadas em seus motivos ou falta deles. O que temos é um exército pré-hitlerista comandado por um judeu. Mas o grande lugar-comum que o filme faz desmoronar de maneira sutil é o do próprio filme de guerra. Feliz Natal é um filme de guerra que não precisa se amparar na muleta da violência e na idéia estranha de criticar a guerra mostrando sangue e pessoas sendo mutiladas. Um filme de guerra sem sangue. Já dá algo que falar.

Feliz natal é ainda um filme de natal sem nenhum tipo de menção a coisas como “espírito de natal”, “papai Noel”, e sem se amparar na outra muleta famosa que é a de apelar para eventos sobrenaturais que justifiquem algum sentimento natalino. O elemento religioso aparece constantemente, mas nunca vinculado a nenhuma religião, nem a um Deus que possa intervir magicamente na vida das pessoas. Quando o tenor alemão canta Noite Feliz de sua trincheira, e é acompanhado pelas gaitas de fole dos escoceses, todos os soldados se emocionam não com a história de Jesus, ou com o caráter cristão da letra, cantada em alemão, mas com a música em si. É a música, essa expressão humana que transcende o material, e a tristeza da situação sem sentido em que se encontram que realmente importa para aqueles homens. Quando o padre escocês realiza uma missa, rezando em latim, não é a liturgia ou as palavras sagradas que encantam, mas a verdade que existe em jovens que deixaram suas armas para realizar algo juntos, algo de belo e de sensível. Em determinado momento, o capitão judeu alemão fala ao padre que o Natal não representa nada para ele mas que aquele momento marcou sua vida para sempre. A cena final do padre escocês também vale muito a pena de ser vista.

Nenhuma diferença construída pela civilização foi capaz de negar a humanidade comum daqueles homens. Nem a guerra, nem a religião, nem a língua, nem as nações. O filme Feliz Natal me encantou por mostrar que o homem teve a capacidade de criar, ao longo da história, coisas muito ruins e coisas muito boas. Coisas que contribuíram para sua divisão e para a ilusão de que a diferença é perniciosa. E coisas que, apesar de tudo, continuam afirmando que a nossa maior semelhança é o fato de cada um ser único.

2 comentários:

  1. Já vi o filme. To dez anos na sua frente. HEHEHEHE

    Outra grande cena pé quando o tenor canta Adeste Fidelis e carrega a árvore de natal até o meio do campo nevado.

    Peça indicações a mim mestre. Você sabe que sou um especialista.

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  2. Envergonhado admito que conheci essa história através do SBT Reporter. Mas vou tentar assistir o filme, realmente parece algo de interessante. Fora que tem gaitas de fole, então vou me divertir.

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pode falar, eu não estou ouvindo