quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Do lado dos vilões


Por dois anos tenho trabalhado do lado dos vilões. Sabe aquele ajudante meio corcunda e meio abobalhado que acompanha os caras maus dos filmes? Aquele que é quase bom? Pois é, sou eu. Mas eu não trabalho para cientistas malucos ou para a máfia siciliana, que eram os vilões desses filmes velhos, nem para traficantes ou organizações terroristas, que são os vilões dos jornais de hoje. Sou assessor de imprensa de uma associação de supermercadistas.

Trabalho com donos de supermercados pequenos, grandes e muito grandes. São pais de família, geralmente de pouca cultura, que gostam de camionetes e churrascos. São quase sempre cristãos, falam alto, abraçam com força, bebem muito. Alguns vestem gravatas espalhafatosas e respondem às designações de grandes multinacionais, repetindo sins e nãos dentro de escritórios. Outros amarram as calças com cintos marrons e esfregam as barrigas atrás de balcões, donos de seus mercadinhos de bairro, entregando pão e contando dinheiro. Invariavelmente são boa gente. Nunca tramariam contra a paz mundial, nunca lançariam bombas ou seqüestrariam crianças.

Mas a vilania desse mundo não me parece feita de tramas diabólicas e assassinatos em série. Mesmo que a tevê nos esfregue a cara com chacinas e ditadores, com drogas e máfias, o que a tevê diz geralmente não tem nenhuma importância. A vilania do mundo está nos pensamentos e nos atos. Está na mediocridade com que se trata a vida, na preguiça que nos faz optar pelo caminho mais fácil, na vaidade que transforma todos em rivais, no medo que nos faz covardes e preconceituosos. Por isso digo que trabalho do lado dos vilões: há dois anos convivo com homens que não se preocupam em ser melhor, em mudar alguma coisa. Homens para quem o futuro é estreito como um corredor de supermercado. Boa gente, temente a deus, simples, que só quer ter um carro bom, uma tevê de plasma, uma casa grande e churrascos aos fins de semana. E que vai destruir o mundo para conseguir.

3 comentários:

  1. Um dia fui quase bom... Agora isso se foi.

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  2. Nessas horas eu fico pensando que trabalhando numa empresa de petróleo eu seria um daqueles capangas que o Capitão Planeta varreria com um sopro no final do desenho.

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pode falar, eu não estou ouvindo