segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Um olho de aprendiz


Foi em outubro, num dia quente. Eu disse:
- Não, não sei. Você me ensina?
Ele pareceu surpreso. Não esperava ouvir aquilo. Nem eu esperava dizer, mas disse. Ele olhou para mim por um tempo e trazia no semblante duas vigas de concreto. Não era um homem de ensinar, não tinha o tato. Fazia as coisas por conta própria, com a própria grossura das mãos. Tratava os outros com poucas palavras, com poucos gestos, com pouco desvio. Não que fosse mal, ou bruto ou bárbaro. Era apenas fechado e um tanto encrespado. Pelo bem que me conhecia, não esperava de mim aquele tipo de atitude.
Por que eu também não era de aprender. Os milhares de olhos da minha vaidade vigiavam meus atos. Gostava do sabor de petulância que eu cultivava e não dava a torcer braço nem dedo. Sempre fui do tipo que ficava sem saber ou que me abstinha de algo para não dar mostras de desconhecimento.
Então ele me olhou por um tempo, depois se voltou para o carro aberto. Falou baixo e rápido, mostrando aqui e ali com os dedos. Estava escrito ao seu redor, para quem quisesse ler, que ele travava naquele momento uma briga hercúlea contra a própria intolerância. Por fim, falou um entendeu? entre dentes.
- Não, não entendi. Você pode repetir?
Ele parou de novo. Olhou para meu rosto como se procurasse meu escárnio. Queria ver o rabinho da ironia escondida dentro da minha boca. Mas não achou nada. Enquanto eu segurava dentro de mim vinte e cinco demônios da vaidade. Não havia entendido e podia deixar para lá. Podia deixar sempre que alguém fizesse por mim o que eu não sabia. Éramos naquele momento dois machos feridos. Eu ferido em meu orgulho de saber sempre, ou ao menos aparentar. Ele ferido em sua tolerância para com alguém que sempre lhe pareceu sábio ou pelo menos atrevido. Por que eu iria querer saber isso agora? Ele tratava muito bem daquilo, que eu ficasse com meu alemão e meus livros. A cada um o que é de sua habilidade.
Mesmo assim repetiu, até que eu compreendesse. Não sei se conseguiria fazer por minha conta, caso precisasse. Mas sei que me tornei melhor naquele momento, e ele também.

3 comentários:

  1. Há um tanto tempo que eu não sei quanto, meus demônios da vaidade também me faziam disfarçar o desconhecimento de certas coisas. Mas há outro tanto tempo, eu aprendi como é bom aprender, como é bom dizer não sei, como que é isso? Não conheço! Nunca ouvi falar...
    Ao final das contas você sente que ganhou algo e que doou também, assim como termina o seu texto, lindo como sempre, né, zé!

    =****

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  2. Escrevendo mais esses dias...
    Pode agradecer?

    O texto não comento. Acho que já expliquei porque.

    Até =)

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  3. Ah, incrível como esse tipo de coisa acontece com todo mundo.
    Continue escrevendo!
    Bjos

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pode falar, eu não estou ouvindo