quinta-feira, 23 de abril de 2009

Em defesa do sertanejo




Há um desses argumentos fáceis e fósseis muito difundido por aí, nas rodinhas dos defensores dos valores estéticos e da boa moral cultural: o sertanojo é ruim, uma coisa massificada e pobre, mas o sertanejo de raiz não, a música caipira é muito boa. Digo argumento fácil e fóssil por que a maioria das pessoas que fala isso sequer sabe o que está dizendo e reduz seu universo da música de raiz à Cuitelinho. Pois bem, esse post não é em defesa de Pena Branca e Xavantinho ou da música caipira. De certa forma, é uma defesa do sertanojo, do axé e do funk.

Durante a adolescência, essa fase macarrônica da existência humana, eu atacava ferozmente o sertanejo. Contrapunha a ele as melodias perfeitinhas dos beatles, os solos absurdos do Led ou a velha ladainha favorita dos brasileiros de falar da letra do Chico ou das barbas do Hermeto. Falava bem também da bossa e do samba, das letras caprichadas ou dos acordes impossíveis, tudo para rebaixar o sertanejo e colocá-lo na última camada da parte inferior do lado sombrio da banda podre da periferia da gangue do mal e do mal-feito. Sertanejo e o primo do diabo eram a mesma coisa.

O fato é que eu realmente não ouvia sertanejo. Ainda não ouço. É a música que menos me apraz e a única que realmente me desagrada. Literalmente desagrada. De desagradar: de estragar um ambiente, de me fazer voltar para casa mais cedo. Consigo suportar horas de axé ou de funk. Mas o tal do sertanejo, pra mim, é foda. Só recentemente, porém, eu entendi que os argumentos adolescentes que eu usava para atacar o pobrezinho eram furados.

Uma discussão ainda mais aguerrida que rola nos círculos dos intelectualizadinhos e afins (dentro dos quais eu me encaixo) é a da diferença entre gosto pessoal e valoração estética. Eis, na verdade, uma discussão que parece ser importante. Uma música pode ser ruim ou boa de acordo com uma série de padrões estéticos que remetam a esforço intelectual ou criativo. Claro: um cara que compõe uma sinfonia se esforçou muito mais, imensamente mais, que o que compôs um axé. A música dele, musicalmente falando, possui qualidade muito superior, muito mais nuances e sacadas, muito mais riqueza. Evidente que isso não significa que ela vai ser boa. Significa talvez que, se ela for boa, suas virtudes serão apreciadas apenas por aqueles que têm um nível de esforço e refinamento estético próximo ou igual ao do compositor.

Digo isso apenas para embasar a seguinte conclusão: eu não gosto de sertanejo exclusivamente por uma questão de gosto pessoal e não por valoração estética, por sertanejo ser nojento, ruim, massificado e pobre. Necas. Meus pais nunca ouviram sertanejo, minha infância passou longe desse tipo de música. Ela não me remete a nada, a nenhuma vivencia de infância, nem à fazenda, nem à festas felizes, nada. Por isso eu não gosto. Não é por meu gosto musical ser refinado ou superior. Balela. Sertanejo possui letras pobres, rimas fáceis, e poucos acordes simples? Ora, ora, e essa descrição também não vale para o roquenrol? Eu adoro punk rock, o ápice da baixeza musical, músicas de 1 minuto com dois acordes e sem melodia. Eu ouço beatles! “ Ame-me, ame-me, me ame/ Você sabe que eu te amo/ E eu sempre serei verdadeiro/ Então por favor: me ame/”. Isso é quase Victor e Leo. Se eu tivesse uma herança musical sertaneja, provavelmente não ficaria achando razões intelectuais para dizer que sertanejo é ruim. Ou ficaria, como o adolescente macarrônico que, na frente dos amigos, defende Chico Buarque e Teatro Mágico e, nas costas, escuta Bruno e Marrone no mp4. Ou ainda aquele que se diz “eclético” para significar que consome música como se fosse bolacha, como se isso fosse uma virtude.

Discuta-se o que quiser, mas no fim das contas, na hora que procuramos na música aquilo que para nós é importante – inspiração, epifânia, prazer, lazer etc – o que vale mesmo é o gosto pessoal. Por isso não digo mais: sertanejo é ruim pra cacete. Digo apenas: eu não gosto de sertanejo como não gosto de gengibre, que aí a coisa perde muito da pretensão.

ps: mas que sertanejo é ruim pra cacete, isso é.


3 comentários:

  1. Imagine um churrascão com música clássica! Tem músicas que tem hora. Não gosto do sertanejo (como bem explicado no texto), mas até pra ele tem hora! O que não dá é pra ficar um dia inteiro escutando isso.
    Sacrifiquemos nossos ouvidos de vez em quando para aproveitar a farra com nossos colegas. Depois é só passar umas duas horas limpando os ouvidos com as músicas que nos agrade. É assim que eu faço, principalmente quando as opções são poucas ou inacessíveis.
    Detesto quando falam que minha cidade não tem nada. E por acaso você costuma frequentar museus? Teatro? Orquestras? Já foi a algum esse mês? Pois quando tem, eles nunca vão. Preferem reclamar.

    ResponderExcluir
  2. hahahaha.

    eu também não gosto de sertanejo por um questão de gosto pessoal.
    mas daí a ficar descrimindando a moçada que curte, já são outros quinhentos, né.

    adorei o texto, Zé. ;*

    ResponderExcluir
  3. Cara, eu não gosto de sertanejo, mas tenho uma valiosa história pessoal pra contar sobre o tema:

    Quando terminei meu namoro de 4,5 anos, eu fiquei na merda.Digo, eu fiquei 20000 léguas submarinas abaixo da merda. Eu estava tão pra baixo que de onde eu estava eu teria que ficar na pontinha dos pés pra chegar no fundo do poço. Nesse período meu irmão, que ouve toda e qualquer coisa que faça barulho, me apresentou algumas duplas sertanejas, basicamente músicas de fossa, de gente traída pela mulher com o cachorro e tal. E eu admito que aquilo me ajudou a sair da fossa. Afinal, se aquela garota me fez ouvir músicas sertaneja, o melhor que eu poderia fazer é esquecer dela.

    Pronto, contei minha bela história.

    ResponderExcluir

pode falar, eu não estou ouvindo