sexta-feira, 19 de junho de 2009

O meu diploma de jornalista


Todo mundo está ciente de que o Brasil não é lá um país muito sério. Tampouco muito verossímil. Se houvesse uma escala de veracidade das nações, acho que a pátria amada ficaria em algum lugar ali entre Atlântida e o País das Maravilhas. Para algumas coisas que acontecem, a gente precisa esfregar bem os olhos e chacoalhar com força a cabeça até se convencer de que é mesmo aquilo lá e não uma miragem. Naturalmente, a primeira reação que tive quando fiquei sabendo da decisão do STF a respeito dos diplomas de jornalista foi de revolta. Ora, um retrocesso! Bastante condizente com o padrão brasileiro de qualidade administrativa. Quer dizer que agora até o cozinheiro da lanchonete da esquina pode se ocupar das minhas funções profissionais? O mesmo cara que serve em seu menu um “mizto quente” e que acredita em tudo que a tv fala? E como é que fica meu piso salarial agora que qualquer um pode fazer o que eu faço? Talvez não tenha me atingido tanto por que eu nunca me considerei um jornalista mesmo. Mas ainda assim, fiquei decepcionado.

Bom, é certo que são aspectos revoltantes. E não tenho dúvida do desrespeito e do despreparo com que se tratou e se decidiu o tema. Mas eu preferi demorar um pouco a escrever sobre o assunto exatamente para deixar passar o calor inicial. Assentada a poeira e amainado o temperamento, outros pensamentos me acudiram.Começo a ver, meus amigos jornalistas, a decisão do STF como uma grande e única oportunidade. Uma chance como nenhuma outra. E sabem por que?

Por que eu presenciei certas metamorfoses curiosas nesses últimos dias. Vi muita gente esforçada se revoltando com sinceridade e nobreza. Mas também pude observar como pessoas, algumas íntimas minhas, que passaram anos criticando, debochando e menosprezando a faculdade de jornalismo de repente se armaram para defendê-la com unhas e dentes. Professores que nunca se importaram com a qualidade do que faziam e das aulas que davam subitamente passaram a subir no palanque e falar de “retrocesso”, falar de “ignorância” e de “falta de respeito com a profissão de jornalista”. E todos nós, eu inclusive, bradamos que o Jornalismo não é reconhecido nem levado a sério nesse país. Não e mesmo. Mas é claro! A começar por nós! O preconceito e o desprezo começam em nós mesmos. Nós nunca conseguimos nos unir e sempre culpamos as conjecturas por isso. Mas na verdade, o que se vê é um desfile de egos inflados, de medíocres, de gente difícil de conviver, que acha rinha em qualquer detalhe. Os jornalistas nunca foram unidos e nem fortes aqui. Adoramos criticar, odiamos estudar. E eu percebi que minha revolta e a de muitos amigos tinha haver apenas com o fato de que meu salário poderia ser prejudicado. Ah, então é isso? É só por isso que essa lei deveria ser diferente? Não é uma prova cabal do desprezo que nós próprios nutrimos do nosso curso? Se temos medo de sermos substituídos por desqualificados, então é por que temos dúvidas sobre nossa qualificação.
Ouvi tantos dizendo que o diploma agora não vale mais nada. Eu mesmo soltei uma dessas: vou receber o diploma e fazer um aviãozinho com ele. Pobre de mim. Estava comprovando o meu próprio desvalor. Afinal, a decisão judicial anula quatro anos de esforço? Anula tantos livros que li, tantos trabalhos que fiz, as línguas que aprendi, a experiência que adquiri? A gente está com medo de que outras pessoas menos qualificadas roubem o nosso espaço? Ora, isso é duvidar da própria capacidade e do próprio esforço. Por isso a decisão de STF surge como uma grande oportunidade para nós, uma oportunidade histórica.

Se eles desprezam o curso de jornalismo, então vamos mostrar a eles que nós não merecemos desprezo. Já devíamos ter feito isso há muito tempo.Afinal, não dá para ser hipócrita e esconder que a faculdade de jornalismo vinha sendo levada nas coxas, alheia à qualidade e acomodada com o fato de que a lei defendia o diploma e as empresas eram forçadas a só contratar diplomados. Agora o jogo virou, meus camaradas. Não é mais assim, e as faculdades terão que provar que ter um diploma é mesmo um diferencial. Eu vejo isso como uma chance única. Para os professores, é a chance de rever suas atitudes e mostrar como a faculdade é um centro de excelência, como seus conhecimentos são vitais para a formação profissional. Para os alunos, é a chance de fazer valer seu curso e seu esforço, de mostrar ao mundo que eles são jornalistas, que lutaram para ser e que se orgulham disso. Para quem já tem diploma, agora é a oportunidade de provar ao mercado a diferença gigantesca que há entre nós e os cozinheiros. E se alguém vier me dizer de novo que meu diploma não vale mais, eu respondo, com calma e confiança: Agora que ele vale muito. Agora que ele vale mesmo.

9 comentários:

  1. Bom, agora seu blog está realmente aberto a liberdade de expressão: eu posso comentar!

    Zé, o que acontece é que as empresas já contratam sem a necessidade do diploma.. isso há anos. Rede Globo e Folha de SP, só pra citar os maiores, fazem isso sem o mínimo pudor. Em momento algum eu pensei "nossa, estão roubando a minha vaga". Até porque elas já estão roubadas devido a indicações políticas e afins. Dizer que eles contratão os mais capazes é acreditar em papai noel, para a minha opinião. Eles sempre contrarão os mais baratos, sempre. Desde que se saiba fazer um lead e segurar um microfone, ficam os mais baratos ou os mais bem indicados.

    Quando vi o fim do diploma, pensei no enfraquecimento da categoria, no desafio que foi e agora vai ser mais ainda lutar pelos direitos trabalhistas da classe. Pensei no quanto é desrespeitoso com o papel da imprensa, que sem demagogia alguma, eu acredito que é enorme. Muito pouco desempenhado pelos atuais profissionais, mas essencial, ainda assim. Quando vi o fim do diploma, pensei no fim completo das faculdades públicas de Jornalismo.. que se já estavam acomodadas, agora é que se acomodarao mais. É um desrespeito e me revolta a suposta falta de informação sobre o que fazemos. Suposta, porque eles bem sabem que não somos cozinheiros, mas preferem esse argumento polêmico para esconder o que realmente está acontecendo.

    Venceram os jornais.
    Ficaram os jornalistas.

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  2. Caro colega!
    Meter o dedo na ferida é para poucos. Sabe aquela história..."em casa de ferreiro o espeto é de pau"? Pois é. A sensação que me dá agora é de que no fundo nossa categoria sempre tenha tido uma certa noção de que poderia ter feito diferente já que muitas vezes nosso discurso não coincidia com a prática. Concordo em partes com o que vc disse. É uma oportunidade de reavaliar o que não tem dado certo na profissão, dentro das universidades, no mercado de trabalho. Mas o que me preocupa é o aspecto legal da coisa. Essas determinações tem uma legitimidade que dificilmente são modificadas pelo esforço individual, pelo ato solitário. Entendo que a situação ultrapassa a simples dúvida a respeito da nossa competência. Acredito que falte protecionismo mesmo, por que não? Quem não reconhece a importância de uma organização como a OAB com sua participação/ atuação política em momentos históricos no nosso país? Creio que seja preciso mais do que panelaço. Na verdade é necessário ter organização antes de tudo. Aperfeiçoamento(individual) e movimentação (coletiva) para que as instâncias maiores percebam nosso valor. Confesso que nunca exaltei nossa faculdade pois nunca escolhi depender exclusivamente dela para aprender, mas no fundo sempre confiei que eu podia fazer mais e melhor. Foi com certeza um passo importante, quem sabe o primeiro.
    (ps): gostei de sua versão engajada!

    bjus
    Isa
    =***

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  3. Zé, concordo com exatamente tudo.


    Jornalista só diplomado.


    Thiago Hirakawa

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  4. Para quem ta meio por fora do assunto, leiam aqui:

    http://www.observatorioacademico.blogspot.com/

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  5. sabe... eu continuo achando uma palhaçada essa decisão. continuo achando que desmerece a profissão. continuo achando que as empresas vão continuar e a cada dia mais contratando gente desqualificada. mas, foi muito inspirador ler seu texto. extremamente apaixonado.

    até mais, Zé. ;**

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  6. Joseph, pensamos igual. Nossos posts estão super parecidos. Até no finalzinho. Dá uma passada lá pra ver.

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  7. também penso que essa decisão é uma grande oportunidade para que os estudnates e jornalistas tomem uma posição mais firme ante ao curso e à formação. também é fato que existem pessoas que levam o curso nas coxas, o que não é muito difícil. mas acho q vc acabou generalizando, talvez, cm vc disse, por não ter tido tanta certeza sobre o curso que escolheu. mas, emfim, na própria Facomb nós vemos estudantes engajados cm a luta contra uma grande maioria indiferente e uma parcela da elite que senta 4 anos na academia e sai por aí dizendo que o diploma é desnecessário. acredito que o ponto de partida é por aí: esclarecer que ser jornalista não é alguém que escreve bem e fala tudo o q pensa. na verdade, isso está longe do jornalismo de verdade - e só se aproxima mesmo é daqueles noticiários sobre vida de artista.

    Kalyne

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  8. Eu admito que já estava esperando que isso acontecesse faz um tempinho, diante do cenário que existe e do nível de exploração da categoria (um jornalista do Globo do Rio recebe o mesmo que eu recebia na Caixa para trabalhar 6 horas por dia. só que na Caixa se pede só nível médio e ainda existem vários benefícios).

    Mas o seu ponto de vista é interessante. É uma chance nossa pra mostrar que o diploma, quer eles acreditem ou não, faz uma diferença enorme. Vamos deixar isso bem claro e torcer pra que eles percebam...

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pode falar, eu não estou ouvindo