Não é todo mundo que gosta de poesia. Arrisco dizer que ela é a menos unânime das artes. Difícil achar gente que não gosta de música, ou que não vê graça em desenhos, pinturas, figuras. Raro achar pessoas que não entendam por que se dança, por que se vai ao cinema ou ao teatro, por que se canta ou se toca um instrumento. Mas e a poesia? Tenho amigos que dizem não entender para que se escreve ou se lê poesia depois do ensino médio. E bons amigos, gente que não mataria judeus ou entraria atirando em cinemas, gente com sensibilidade, estudo e barba feita.
Imagino que os primeiros homens descobriram facilmente o canto. Invadidos por qualquer sentimento inexplicável, por dor ou alegria, por saudade ou raiva, eles provavelmente grunhiam, uivavam e batiam em objetos sonoros. Daí para o roquenrol seria um pulo.Também não é complicado supor como surgiria a pintura e por que ela exercia o fascínio que até hoje exerce. Aliás, que hoje especialmente exerce. Por que se notarmos, bem antes dos naturalismos e naturezas mortas os homens já davam uma de Picasso e de Matisse. As gravuras dos homens das cavernas eram estilizadas, despojadas e simbólicas como são hoje as logomarcas e grafites. A arte de contar histórias é outra que parece ter surgido naturalmente de uma necessidade humana. Com a descoberta do fogo então, suponho que a moda da época eram as rodas de história de terror. Lobisomens e vampiros não surgiram na mente de escritores ingleses entediados com o cricket, mas de campônios atemorizados que fugiam das florestas.
Mas a poesia precisou de todas essas outras artes para surgir. Foi necessário que o canto disforme se transformasse em música com letra. É interessante notar que os textos mais antigos que conhecemos eram cantados; A Odisséia, a Ilíada, a própria Bíblia, consistiam em tradições orais posteriormente transformadas em texto escrito ou mesmo textos escritos para serem cantados ou lidos em voz alta. A poesia é, então, uma tributária da música. Mas também o é da arte de contar história, já que os primeiros poemas não falavam exatamente do sol na janela, do barquinho no mar ou da tristeza de levar um fora. Eram epopéias. Narravam os feitos de heróis e deuses, de reis e magos,com bastante sangue, traições e homens com cabeça de animal. Finalmente, foi necessário que os antigos desenvolvessem suas pinturas, parassem com a fixação por bisões e gordinhas peitudas, e chegassem ao máximo da estilização pictórica que são as letras, alfabetos, ideogramas, etc. Só assim a poesia encontrou seu suporte ideal, aquele que resiste até hoje e que apagou lentamente os traços orais e cantados dos antigos poemas.
A poesia é, então, uma forma de arte de segunda geração. Foi preciso um grau de subjetividade muito maior para se chegar a ela, assim como é preciso muito mais subjetividade para decodificá-la. O caminho até os versos de hoje foi longo e gerou muita metalinguagem, muitas auto-citações, muitos reflexos. Por isso acho também que quem gosta de poesia é alguém que já leu muitos poemas, por que já está de certo modo iniciado e íntimo dos maneirismos e das possibilidades inerentes. É um gosto construído, como a própria poesia é uma arte construída.
Mas se traçarmos o caminho das artes até hoje, algo de curioso acontece que talvez desfaça meu raciocínio. A música, por exemplo: começou com gritos, ruídos, tambores e dança, evoluiu para motivos religiosos, chegou ao ápice da abstração e da sofisticação com a música clássica e, hoje, evoluiu para gritos, ruídos, tambores e dança. Da idade da pedra para a idade do rock. A pintura começou com bisões, gordas peladas e palitinhos caçadores, evoluiu para perspectivas, naturezas mortas, chegou à fotografia, a imagem 3D e, finalmente, o traço da Nike e a maçã da Apple. Literatura: começou com adultos assustando as crianças com histórias de lobisomens, minotauros, vampiros e terminou com crianças assustando adultos com histórias de lobisomens, minotauros e vampiros. Mas e a poesia? Começou com histórias sanguinolentas de heróis mitológicos, passou por odes religiosas, depois odes açucaradas à amada e ao amor, para terminar diminutas de alguém tomando o café ou de folhas caindo durante a chuva. Por que essa diferença? Se ela retorna a isso quando a despojamos de toda parafernália histórica e de todo o jargão,então, só posso supor que, provavelmente, a poesia seja a mais antiga e natural das artes: aquela que surgiu do simples estar no mundo.
Imagino que os primeiros homens descobriram facilmente o canto. Invadidos por qualquer sentimento inexplicável, por dor ou alegria, por saudade ou raiva, eles provavelmente grunhiam, uivavam e batiam em objetos sonoros. Daí para o roquenrol seria um pulo.Também não é complicado supor como surgiria a pintura e por que ela exercia o fascínio que até hoje exerce. Aliás, que hoje especialmente exerce. Por que se notarmos, bem antes dos naturalismos e naturezas mortas os homens já davam uma de Picasso e de Matisse. As gravuras dos homens das cavernas eram estilizadas, despojadas e simbólicas como são hoje as logomarcas e grafites. A arte de contar histórias é outra que parece ter surgido naturalmente de uma necessidade humana. Com a descoberta do fogo então, suponho que a moda da época eram as rodas de história de terror. Lobisomens e vampiros não surgiram na mente de escritores ingleses entediados com o cricket, mas de campônios atemorizados que fugiam das florestas.
Mas a poesia precisou de todas essas outras artes para surgir. Foi necessário que o canto disforme se transformasse em música com letra. É interessante notar que os textos mais antigos que conhecemos eram cantados; A Odisséia, a Ilíada, a própria Bíblia, consistiam em tradições orais posteriormente transformadas em texto escrito ou mesmo textos escritos para serem cantados ou lidos em voz alta. A poesia é, então, uma tributária da música. Mas também o é da arte de contar história, já que os primeiros poemas não falavam exatamente do sol na janela, do barquinho no mar ou da tristeza de levar um fora. Eram epopéias. Narravam os feitos de heróis e deuses, de reis e magos,com bastante sangue, traições e homens com cabeça de animal. Finalmente, foi necessário que os antigos desenvolvessem suas pinturas, parassem com a fixação por bisões e gordinhas peitudas, e chegassem ao máximo da estilização pictórica que são as letras, alfabetos, ideogramas, etc. Só assim a poesia encontrou seu suporte ideal, aquele que resiste até hoje e que apagou lentamente os traços orais e cantados dos antigos poemas.
A poesia é, então, uma forma de arte de segunda geração. Foi preciso um grau de subjetividade muito maior para se chegar a ela, assim como é preciso muito mais subjetividade para decodificá-la. O caminho até os versos de hoje foi longo e gerou muita metalinguagem, muitas auto-citações, muitos reflexos. Por isso acho também que quem gosta de poesia é alguém que já leu muitos poemas, por que já está de certo modo iniciado e íntimo dos maneirismos e das possibilidades inerentes. É um gosto construído, como a própria poesia é uma arte construída.
Mas se traçarmos o caminho das artes até hoje, algo de curioso acontece que talvez desfaça meu raciocínio. A música, por exemplo: começou com gritos, ruídos, tambores e dança, evoluiu para motivos religiosos, chegou ao ápice da abstração e da sofisticação com a música clássica e, hoje, evoluiu para gritos, ruídos, tambores e dança. Da idade da pedra para a idade do rock. A pintura começou com bisões, gordas peladas e palitinhos caçadores, evoluiu para perspectivas, naturezas mortas, chegou à fotografia, a imagem 3D e, finalmente, o traço da Nike e a maçã da Apple. Literatura: começou com adultos assustando as crianças com histórias de lobisomens, minotauros, vampiros e terminou com crianças assustando adultos com histórias de lobisomens, minotauros e vampiros. Mas e a poesia? Começou com histórias sanguinolentas de heróis mitológicos, passou por odes religiosas, depois odes açucaradas à amada e ao amor, para terminar diminutas de alguém tomando o café ou de folhas caindo durante a chuva. Por que essa diferença? Se ela retorna a isso quando a despojamos de toda parafernália histórica e de todo o jargão,então, só posso supor que, provavelmente, a poesia seja a mais antiga e natural das artes: aquela que surgiu do simples estar no mundo.
Uma das melhores "defesas" da poesia que eu já vi, parabéns.
ResponderExcluir(e por tabela um belo trabalho sobre a importância da mulher acima do peso na história da arte)
Oi zÉ!
ResponderExcluirBem acho que vc nem se lembra de mim portanto me apresento:sou a irma mais nova do Fernando Garcia...é acho que nao se lembra..mas só pra dizer que faz pouco tempo que ele me mostrou seu blog(pq eu estava com vontade de fazer um)e comecei a ler nas horas vagas. Estou adorando, muito legal...um pouco engraçado...bom para distrair(nao que isso seja ruim).Estou me apresentando pois espero deixar alguns recadinhos aqui, só pra vc identificar essa tal de Lívia.
Adorei seu texto
0/
Poesia é o jeito de falar pouco, sozinho, dissertar, ficar em silêncio e gritar. Tudo ao mesmo tempo.
ResponderExcluirVandré
Isturdia eu li uma ã poesia que falava sobre torradeiras, cara. Chorei.
ResponderExcluira poesia é um exercício intransigente que tem em si mesma seu ponto de afirmação... Quem disse isso n fui eu. Foi um cara chamado Alain Badiou, estudado desses negócios de poesia e filosofia...
ResponderExcluirE seu texto vai bem com a frase.
Abraço. Ótimo texto!
penanegra.wordpress.com!
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirMuito bom meu caro!
ResponderExcluirEu penso que a forma com que nos ensinam poesia no segundo grau não contribui para que entendamos a real importância desta tão genuína expressão artística. Tenho em mim um pouco desta herança e por vezes quando me deparo com um soneto ou algo parecido me lembro daquelas aulas cheias de análises frias que não faziam muito sentido. A poesia é para ser lida e apreciada e não para ser destrinchada e esquartejada à revelia!
Muito bom seu texto.
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