Ele foi embora e ela não se deu a chance de ficar sozinha. Agarrou-se a outro com o mesmo tamanho e as mesmas medidas. Podia assim aproveitar as mesmas meias, as mesmas cuecas, o mesmo terno. Não precisaria mudar o tamanho da cama, nem a altura das estantes. Aproveitaria as mesmas promessas de amor, as mesmas flores que ainda morriam no vaso, o mesmo sonho de vida a dois. E pairava à porta do banheiro, esperando que o outro escovasse os dentes do mesmo modo que ele, ou que se barbeasse sem a mesma pressa, sem nenhuma destreza ou cuidado, como ele. Pegava com força a mão do outro e, porque os ossos e a pele se pareciam, ou porque os dedos eram tão longos e duros quanto os dele, ela esperava que o outro lhe guiasse pela vida como ele. Então dizia o nome do outro, demorando nas letras em comum com o nome dele, e se alegrava com o fato de que o nome do outro tinha tantos As ou Es quanto o nome dele. E se alegrava com o fato de que os sapatos do outro caberiam nos pés dele, ou que, na garagem, o carro do outro tinha a mesma marca do dele. Aos poucos, como tudo, o outro se tornaria ele – projetaria comprar o mesmo cachorro, ganhar o mesmo salário, falar as mesmas palavras bonitas. Então se casariam e ela, tão feliz, amaria o outro como amava ele. Ele foi embora mas ela não se abateu: não era dele que precisava, mas de outro com suas medidas.
De uma percepção cortante.
ResponderExcluirai que saudade que dá.
ResponderExcluir[você que não abandone esse blog assim]
Eu ia soltar um "o boêmio voltou", mas o teor do texto me gerou uma leve depressão, ao menos momentaneamente.
ResponderExcluir(bom te ver aí de novo, cara)
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirPoisé, Zé. Estás de volta. Inteiro e implacável.Gostei da forma que retratou a idealização. Fato João, o texto foi capaz de gerar uma leve depressão.
ResponderExcluirIt's aliiive!
ResponderExcluirTexto bacana, Zé. Continue postando.