quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

A distância entre a mentira e a queda





Era infância e eu voltava para casa com um coleguinha. Meu pai usava bigodes e descia a Anhanguera, mas na época eu não conhecia nem o nome das ruas nem meu pai sem bigodes. Minhas mãos suavam de um jeito engraçado; eu tinha que esfregá-las na bermuda e suspirar. Estava quieto e olhava pela janela. Meu colega, por outro lado, sorria muito e falava. Quanto mais próximo ficávamos de casa, mais eu o achava idiota. Mais eu desconsiderava o que ele dizia, e sentia uma espécie de ranhura quente quando ele sorria. De repente, ele puxou para fora da mochilinha uma ponta do calção de banho.
- Do Batman, tá vendo?
- Tô.
Respondi sem olhar. Como ele então me pareceu imbecil! O olhar tolo, a felicidade idiota. E eu sentia o coração partir-se e repartir-se no peito, e as mãos úmidas como sabonetes.
- Podíamos nadar e depois ver os vídeos que eu trouxe. – ele disse, olhando para as árvores na janela, sorrindo de infância e completude.
- É.
Ao chegar em casa, seu rosto brilhava. Olhava para os cantos, para as plantas no jardim, para a cor da porta, para o corredor e os quadros. E eu cada vez mais quieto. Pediu-me para irmos ao alpendre. Não respondi. Mas meu pai mostrou-lhe o caminho e ele correu, olhando-me na borda do rosto. Quis pensar em alguma outra coisa, não havia coisa que pensar. Ele olhou para um lado, para outro, procurou mais alpendre, mais espaço,os olhos ainda acesos, depois os pousou sobre mim, com uma dúvida sem máculas:
- Mas onde fica a piscina?
E eu achei sua inocência, seu brilho e seu calção de banho do Batman as coisas mais idiotas do universo inteiro. 

2 comentários:

pode falar, eu não estou ouvindo