nós, os vilões, somos tão
delicados e tão incapazes de qualquer mal. com nossos ossos partidos e nossos
corações quebrados, com nosso exagero fingido e disfarçado, com a espera
inquieta pela felicidade que nunca veio, pela alegria que não nos alcança, nós
os vilões sorrimos. mas das janelas clareadas pela noite, nossos olhos
vasculham o mundo e só encontram a
sombra daquilo que não vimos; nós, os vilões, somos tantos e nos sentimos tão
sós. somos tantos. no cair do escuro, no arfar dos anos, no quebrar dos
desencontros. Só queríamos dançar, com nossas couraças floridas e laços a
enfeitar nossos chifres de monstro. Nós, os vilões, e nossos pés feridos, temos
tanto medo de cruzar o escuro e a morte. e do fundo das festas e das igrejas,
ou do alto dos prédios, debaixo dos bares, sob camadas de ternos e tetos, nas
quinas da noite, nos porões da cidade, na solidão absoluta de nós mesmos – nós,
os vilões, sorrimos. nossa tão delicada,
tão vulnerável, tão carinhosa, tão insustentável maldade.
ouvidos mudos
quinta-feira, 14 de junho de 2012
quarta-feira, 6 de junho de 2012
Sim, mas veja bem...
Diálogo 1:
- Espera, deixa ver se entendi:
então a humanidade, nos últimos séculos, gastou quantias incontáveis de riqueza
para desenvolver alimentos capazes de serem produzidos em larga escala para uma
população crescente, a preços acessíveis, e que possam resistir sem estragar a
longas viagens e a muito tempo de armazenamento para que nós não precisemos
caçar e nem plantar, mas comprar a comida perto de casa, na comodidade dos
supermercados. Certo?
- hmm...certo.
- Ou seja, bilhões de dólares e o
esforço constante de cientistas, mais o
sacrifício de milhares de cobaias e a devastação de florestas durante décadas foram necessários para que o
acesso ao alimento fosse algo fácil, barato e farto. E agora você está
pagando muito mais caro para comprar
“arroz integral” por ele ser exatamente
como se você o tivesse plantado na roça?
- Sim, mas veja bem...
Diálogo 2:
- Espera, deixa ver se
entendi: então, para você, música de
verdade é aquela cujas melodias e letras convidam à contemplação poética,
transcendem o materialismo barato do cotidiano e propõem um prazer mais sutil,
menos consumista, mais apegado às emoções do coração e do espírito,
possibilitando em quem escuta uma experiência de identificação real, uma
catarse intimista, única, de definição
do indivíduo contra a massa inerte e indiferente das pessoas que vivem só para
consumir e não percebem a poesia
intrínseca nas mínimas coisas?
- Exatamente!
- E é por isso que você gastou
uma nota preta no ingresso para o show do Teatro Mágico e agora se acotovela no
meio de uma multidão de pessoas que estão cantando ao mesmo tempo a mesma coisa
e imitando as mesmas emoções que você? E dizendo ao mesmo tempo que são todas
diferentes do resto?
- Sim, mas veja bem...
Diálogo 3:
- Espera, acho que essa eu entendi: então grandes cientistas
como Darwin, Einstein e Galileu dedicaram suas vidas ao grande e heroico
esforço de não acreditar simplesmente nas coisas, mas sim provar suas próprias
ideias com estudo, com ciência e observação contínua.
- Grandes gênios da humanidade.
- Sim, eles e tantos
outros se sacrificaram para mostrar que suas próprias ideias não eram dogmas,
mas teorias, e que deveriam por isso ser testadas e superadas. Dedicaram todos
os dias de suas vidas ao estudo com a humildade de saber que a Ciência não é a Verdade, mas a busca por ela. Certo?
- Certíssimo.
- Eles fizeram tudo isso para que você possa falar que
é ateu no facebook. E então você, que estuda só no dia antes da prova, que fez no máximo uma graduação nas coxas, ou quase morre porque precisa ler um livro
para o mestrado, vem e pegam as teorias já prontas desses homens e esfrega
na cara dos outros, dizendo que quem não acredita nelas é crente, burro e idiota?
- Não é bem assim. Veja bem...
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