sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Eu sorri de volta


Dias atrás eu saía do empório, na avenida 85, quando presenciei uma batida estúpida. A moça saía do estacionamento e o outro não quis esperá-la fazer a manobra. Pegou a faixa contrária e não viu a moto que descia uma das ruas vicinais. Ninguém se feriu gravemente, embora o motoqueiro tenha ficado bastante tempo no chão até resolver se levantar, limpar a sujeira da calça e ir participar de discussão. Isso por que o apressado decidiu colocar a culpa na moça que saía, pois ela o havia forçado a invadir a pista alheia com sua manobra pouco graciosa. A moça, cujo carro ficou preso na batida sem ter batido, só queria escapar logo dali, e demonstrava isso com boa descarga de ironia. O motoqueiro, aproveitou-se de sua óbvia condição de inocente para posar de vítima e terminou de armar circo. Uma pista e meia bloqueada, perto das sete e meia da noite, logo funcionou como um coágulo de trânsito, aglutinando carros, buzinas e rostos franzidos de ambos os lados.
Eu, pedestre, apenas precisava passar, e não queria ficar assistindo a cena como praticamente todo o resto das pessoas que estavam na rua. Os estudantes da universidade viraram as cadeiras dos bares na direção do debate, os transeuntes cruzavam os braços. E eu fui recortando os carros até a outra calçada quando, no começo da travessia, vi a menina. E ela me fez parar.
No banco de trás do quinto ou quarto carro da fila que havia se formado, a menina sorria para mim. Não, não sorria. Dava risada. Uma risada que não podia ser ouvida no meio do tumulto, mas que parecia deliciosa, daquelas que só damos com os nossos melhores amigos. Nenhum escárnio, nenhuma bazófia, não. Uma risada de isopor colorido e serpentina. Eu sorri de volta, acenei. Ela respondeu o aceno e eu continuei andando.
A menina tinha provavelmente 5 anos, 6 anos. Era linda, de rosto redondo, olhos espaçados, e os dentes ainda por se firmar. Tinha síndrome de down. No meio daquele caos, da impaciência, da poluição, da ignorância, da pressa, ela dava risadas.

2 comentários:

  1. isso foi tão verdadeiro. belo texto, belo momento. x)

    :*

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  2. Isso foi bonito, cara. E incrível como essa inocência de criança vai ficando rara...Hoje em dia as pessoas já ficam neuróticas quando fazem 4 anos e meio...

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pode falar, eu não estou ouvindo