sábado, 27 de junho de 2009

Duas cenas abstratas (e verídicas)


I.

Sexta-feira, dia 27 de junho. Madrugada, perto das duas da manhã. Eu estou na rua, ajudando a trocar um pneu. O pneu pertence ao carro de um amigo desesperado que dava carona a dois americanos do Alabama. Na calçada estão o manual do carro, o step e uma caixa de leite. A americana do Alabama tira fotos e usamos o flash e um celular como lanterna para ler o manual, já que não encontrávamos uma das ferramentas. Meu amigo brada que vai processar a concessionária e a fábrica. De repente, o celular toca e me avisam do outro lado:
- Michael Jackson morreu, cara.
Eu então olhei para minhas mãos sujas de graxa e depois para o céu e esperei por uma chuva de sapos ou quem sabe um meteoro.


II.

Sexta feira, dia 27 de junho. Perto das 9:30 da manhã, na Faculdade de Letras da UFG. Devido à minha madrugada bizarra, chego atrasado para a prova de francês instrumental. Mas felizmente, ou infelizmente, o professor tem a serenidade cômica de um Obelix. Acho curioso como a sala está cheia. Reconheço rostos de alunos que apareceram nas três primeiras aulas do semestre e depois se escafederam sem deixar rastros. Um deles é o rapaz alto e barbado com cara de líder revolucionário estudantil. Suspeito que ele tenha vindo a apenas uma aula em todo o semestre. Sua camisa tem um Che por baixo da jaqueta de motoqueiro. Ele reclama que ninguém o avisou que poderíamos usar o dicionário na prova. Senta atrás do cara com cara de físico tradicionalista. E cola absurda e descaradamente. Quero dizer, cola de uma maneira que eu não vi nem na minha época de quinta série. Daquele tipo de cola na qual o sujeito estica o pescoço por cima do ombro do outro. Debaixo do bigode francês do professor Obelix. Espia e copia, espia e copia. Um homenzarrão de barba na cara e sapato 46 , com o capacete de moto jogado ao lado, esticando o pescoço e a retina como um guri e reproduzindo tudo ao lápis. Passei boa parte da minha prova imaginando o tal rapaz saindo da aula de francês instrumental direto para alguma ação revolucionária do movimento estudantil. Visualizei sua figura imponente defendendo a qualidade do ensino e os direitos dos estudantes. Amém.


5 comentários:

  1. “Zé” (permita-me que eu também faça uso do vocativo comumente utilizado por aqui!),

    Que surpresa boa encontrar você por aqui. Mais: em vê-lo confiando seu itinerário, na justa conta de sua sensibilidade sábia que ritma e explora o delicado rendimento de imagem alternada em poesia. Embora não tenhamos tido um convívio prolongado, uma vez que a frequência que nos uniu fora a das aulas de francês instrumental – lembrando que eu sequer era aluna matriculada, mas, apenas “ouvinte” daquele professor que você tão bem e divertidamente diz ter “a serenidade cômica de um Obelix”, rs – digo-lhe que seu blog me afeiçoou uma enorme familiaridade, ora por encerrar opiniões comuns, ora por irromper sentidos de vida atrelados ao de poesia, tão inseridos no “métier” de uma mestranda em estudos literários que sou. Nota a nota que li, deixo aqui minhas palavras de apreciação, espero que queridas, para me sentir autorizada a voltar mais vezes!

    Cordialmente,
    Letícia - uma menina branca, não “a menina branca cor de insônia”, mas, branca, que se esconde atrás dos óculos de grau e das olheiras, rs.

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  2. Zé, você pegou aula com o Christian?

    Seu blog é demais, cara!!! To adorando lê-lo! Um grande abraço, amigo!

    Tulio

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  3. Dois comentários:
    1. Se o carro era um gol, a chave de roda é o braço da alavanca para abrir e fechar o macaco. Macaco... adoro esse nome pra isso.

    2. Tenho ficado muito puto (com o perdão da palavra) de ver tanta gente colando.
    Após anos de estudo para entrar em uma faculdade com o mérito devido; após horas e horas de ética e de responsabilidade com o conhecimento que se aprende, concluo: não ouvem, então, nunca aprendem, apenas...
    Amém.

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  4. As vezes a gente não entende como as pessoas chamam o mundo real de real...Mas ainda não é tarde pra que chovam sapos...Ou rãs...Ou, sei lá, fandangos, pra acabar com qualquer ilusão de razoabilidade bíblica da coisa.

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  5. ain, Zé. -.-

    na boa, pra mim esse carinha é justamente o retrato da maioria daqueles cultzinhos revolucionários que habitam aquela faculdade.

    muito típico e muito desanimador.

    ;*

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pode falar, eu não estou ouvindo