sexta-feira, 31 de julho de 2009

A arte de ser brasileiro I


Algo que me intriga na cultura brasileira é a sua completa dependência da burocracia mesmo nas relações pessoais. Em tal campo, o Brasil se porta quase como uma Rússia comunista. Explico:

Aquele conhecido chato que se acha seu amigo te convida para uma festinha particular. Além de você, estarão seu vizinho pedófilo, quatro de suas ex-namoradas com seus novos, fortes e financeiramente avançados namorados e um hamster. Mesmo que a simples idéia de se ver na festa te cause ânsia de auto-mutilação, você de maneira alguma diz um não. Claro que você não vai, mas nunca diria isso claramente. Afinal, ele te convidou. Que deselegante dizer: não quero ir, não gosto de você e tenho alergia de hamster. É possível que você até diga que vai e, de última hora, arranje um compromisso fictício: morte de parente, doença contagiosa fatal ou quarteirão sitiado por suspeita de invasão alienígena, tudo vale. Mas dizer que não por que não, nunca.

Outra: aquelas mocinhas doces e inseguras que a gente teima de sonhar com. Fazem charme, fazem hora, se encabulam, se embonecam, viram lua, viram musa, viram feministas, viram o diabo a quatro. Cansam a gente até a morte quando poderiam apenas dizer: olha cara, não, ok? Mas também, se falam não, nós as tachamos de mocréias frígidas.


Resumo da ópera: um não enxuto é quase sempre entendido como ofensa grave pelo brasileiro. Suspeito haver leis invisíveis que nos forçam a encher nossas negações de firulas, salamaleques, não-me-toques. Ao mesmo tempo, levamos todos nossos relacionamentos encharcados de suscetibilidade. É preciso pisar em ovos para dizer não, para dizer que não sabe, para não fazer algo ou corações se partem, egos se magoam e vaidades inflam.

Com certeza há de ser alguma herança da época colonial e do nosso sofrido escalar histórico, junto do complexo de coitadinho, da preguiça congênita e da misteriosa preferência por nádegas. Tudo acaba por começar ali. Eu penso que possa ser, quem sabe, um reflexo de uma repulsa natural a frustrar a vontade alheia somada a uma inaptidão quase certa de atendê-la. Algo próximo ao modus operandis do catolicismo antigo: Deus quer que você tenha mil virtudes e viva uma vida de sofrimento e pobreza, e você quer agradar a Deus, mas é virtualmente impossível fazê-lo. Quero dizer, como ser feliz e aventurado sendo pobre, andando descalço e não transando? O errado no Brasil não é o contrário do certo, mas do apresentável. A gente se apresenta de tal forma, e faz de outra tal, considerando sempre que essa outra é errada.
( continua algum dia...)


2 comentários:

  1. Eu estou tentando praticar o não direto e sem titubear. Uma ex me pediu pra voltar essa semana e eu disse "não, porque agora eu estou temporariamente insensível e só me importo comigo mesmo e com jogos de video-game. Ah, e quadrinhos". Ela reagiu mal, mas vou continuar tentando.

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  2. pq ler se eu ouço tudo?

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pode falar, eu não estou ouvindo