sábado, 12 de setembro de 2009

O exemplo de Freiburg


Há um antigo e genial desenho da Disney que retrata algo parecido com o que acontece aqui em Goiânia. O Pateta nos é apresentado como um cidadão pacato e ordeiro que, ao entrar no carro, se transforma no diabo que mordeu o rabo. Em uma sutil diferença na metamorfose realizada, todo bom cidadão goianiense se transmuta em Átila o Huno e parte para a conquista do mundo e/ou destruição da civilização ocidental. Quanto maior e mais caro o carro, mais direitos exclusivos possui o motorista. Direito de avançar sinal, de entrar na contra-mão, de não parar em faixa de pedestre e, numa escalada assustadora de involução, direito de caçar nos bosques reais, de não pagar impostos e de dormir com as esposas dos servos.

Certamente não é como São Paulo ou o Rio, mas talvez seja pior. Em Goiânia, há carros enfiados na alma das pessoas. Pode ser assim também em outros lugares, eu sei, mas se adicionarmos a frota que desfila nas ruas àquela que desfila no imaginário popular goianiense, nos sonhos de consumo e pensamento, seria preciso um estacionamento do tamanho da Rússia para conter tantos veículos.

O sujeito quer um carro importado por que coisas importadas são melhores. Ele compra o maior carro, com o motor mais potente, com o maior número de acessórios e ignora completamente que, no país de origem do veículo, há uma cultura cada vez mais forte de carros menores e ecológicos. Ou seja, compra um carro alemão e se torna ainda mais diferente de um alemão. Ninguém se atenta para o fato de que a maioria dos produtos importados são produzidos exatamente para importação (óbvio não?) e não são usados nos seus países de origem, ou são usados em outras situações. É algo como comprar um taco de beisebol e usá-lo para jogar Bete, achando que se está jogando beisebol.
Então, se vamos importar algo, por que não começamos pelo exemplo de Freiburg? Segundo informações do meu professor de alemão, Freiburg é uma bela cidade da região da Floresta Negra, dona de níveis invejáveis de qualidade de vida. Ali, como em várias outras cidades européias, nota-se um crescimento das ruas e bairros Autofreie, ou livres de carros. São partes da cidade onde apenas se circula a pé, de bicicleta ou de transporte público. O interessante é que, a despeito do que uma análise precipitada poderia supor, a ausência de automóveis gera reflexos positivos na economia local. As pessoas tiram de si um peso enorme de gastos com manutenção e gasolina, as ruas se tornam mais estreitas, dando mais espaço para a construção de lojas e casas e o transporte coletivo ou mesmo a caminhada possibilitam maior contato interpessoal. É tudo uma questão de costume: a vida da maioria das pessoas é regida por leis convencionadas que parecem naturais. Assim, um goianiense acharia o fim do universo ter que ir à padaria do bairro a pé, e uma miséria ir ao trabalho de ônibus. Um alemão de Freiburg acharia exatamente o oposto. E os dois estariam vivos.


2 comentários:

  1. Adorei o texto, zé!
    Há um tempo eu ando querendo escrever sobre trânsito também, porque em Brasília isso é um assunto que dá MUITO pano pra manga. Mas é MUITO mesmo; ái que raiva que eu passo!! Por isso eu amo o metrô! hahaha

    E tô começando a achar que essa história de quanto maior e mais caro o carro mais direitos exclusivos é universal, não tem lógica. A pessoa joga sua hillux pra cima de mim só porque é uma hillux. Vá à m****
    hahaha

    Fiquei motivada a escrever minha versão sobre o trânsito, agora! rsrsrs

    bjos!!

    ResponderExcluir
  2. Isso realmente faz sentido, sabia? As pessoas usam como referências exemplos que nem mesmo fazem sentido e acabam deixando de escolher o que realmente seria produtivo pra elas.

    E motorista de cidade grande é complicado de aguentar...

    ResponderExcluir

pode falar, eu não estou ouvindo