segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Construir um castelo


então o homem parou de andar e disse: aqui construirei meu castelo. Estava só, como soam estar as pedras, as estradas e os sonhos, e por isso ninguém presenciou sua alegria indecifrável. Ninguém assistiu quando ele dançou sozinho sobre a terra virgem, nem quando se sentou para observar calado o caminho que havia lhe conduzido até ali. Pelos dias que vieram e se estenderam, o homem traçou planos de seu castelo. Prometeu torres, muradas, jardins de inverno, salões de festa, átrios, masmorras, observatórios, fontes, escadarias. Prometeu às horas do presente cada dia vindouro como um noivo promete filhos à noiva. Terminado o esboço, propô-se a começar o trabalho. Mas suas mãos sangraram na primeira pedra erguida, e suas pernas fraquejaram antes do fim do primeiro dia. Nunca havia construído nada além de pegadas. Nunca havia construído um castelo. Tanto prometeu que a alegria inicial se cansou. Talvez a imagem que tivesse de si não fosse condizente com suas condições reais; talvez fosse capaz apenas nos planos. É como lhe disseram certa vez: a vida costuma ser muito menor e menos divertida fora de nossas mentes. Então o homem parou e perguntou: não serei capaz de erguer meu castelo? Se a primeira pedra já rasgou minhas mãos, e as primeiras horas já arquearam minhas costas? Se me sinto o pior e o mais solitário dos homens? Tentou em vão pedir ajuda a outros que passavam. Todos, porém, o desaconselharam da empreitada. Alguns disseram que a vida é caminhar e não construir – e o homem pensou que talvez estivessem certos. Um jovem lhe disse que os que moram em castelos têm medo e não são livres. Um adulto lhe disse que era mais fácil habitar um castelo abandonado, pois já havia muitos desses pelo caminho. Um velho lhe perguntou para quê gastar tanto tempo precioso erguendo algo tão duradouro para uma vida tão curta? E o homem pensou que talvez todos estivessem certos. Mas pensou também que, se era livre para fazer o que quisesse, construir um castelo era o que ele queria fazer. E por que ocupar o castelo de outrem se ele podia construir o seu? E se a vida é mesmo curta, então deveria recomeçar logo o trabalho. Estava só, como soam estar as pedras, as estradas e os sonho, e por isso ninguém presenciou sua obstinação indecifrável. Ninguém assistiu quando a pele refez suas mãos e suas costas se acostumaram ao peso. E ninguém entendeu quando ele dançou em volta de uma parede meio torta e meio bamba– uma única parede, mas uma parede. A primeira que ele jamais havia construído. Então o homem disse: aqui construirei meu castelo, e nunca mais parou.

4 comentários:

  1. Zé, que texto bonito cara. Ainda pensei em fazer uma piada, do tipo é pra isso que existem as construtoras, mas no final não tive coragem. Fiquei emocionado mesmo com o texto. " E ninguém entendeu quando ele dançou em volta de uma parede meio torta " Gostei dessa imagem que você construiu... Muito Bom.

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  2. Como sempre eu não sei se entendi o que se esperava que eu entendesse, mas o que eu entendi fez bastante sentido e teve um timing bem interessante.

    E também vou evitar piadas sobre construtoras e empreiteiras.

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  3. sabe, eu sempre achei que era ouvidos mudos, e não ouvi dos mudos.
    Acho que não sou mesmo muito boa pra entender essas coisas. Mas é legal mesmo assim.
    Fiquei com medo de que ele não tentasse construir o castelo.

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  4. Ao persisitir e continuar a costruir o castelo ele irá aprender fazer uma parede melhor e poderá depois refazer essa primeira parede.

    Muito bom.

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pode falar, eu não estou ouvindo