sábado, 17 de abril de 2010

Começo e Fim


Há pessoas que acham o começo a parte mais difícil de qualquer texto. E é bem verdade que, em certos casos, escrever as primeiras linhas nos exige uma boa dose de angústia, várias tentativas frustrantes e muitas idas e vindas da cozinha ou do banheiro ao texto. Até que por fim aquela fagulha inicial dá as caras, isso se der as caras, e o que vem depois, ainda que difícil, parece brincadeira se comparado ao esforço inicial. As vezes, quando vencemos a barreira das primeiras palavras, o resto nos vem naturalmente, como se ditado ou já pronto.

Mas há também os textos que nos pegam pelo final. Eu particularmente tenho mais problemas com esses. A história segue, prossegue, e persegue um desfecho que não se dá. Acontece do raciocínio ter só início e não fim, ou da narrativa ir se delongando, ou do próprio gosto por verter palavras acabar por nos embebedar.

Enfim, de modo ou outro, resolvi fazer um exercício. Colhi alguns livros da minha estante e separei o começo e o final deles. Eles foram escolhidos na sorte e fornecem alguns exemplos interessantes, para não dizer geniais. Não se preocupem, entretanto. Eu apenas copiei as frases finais dos livros descontextualizadas, caso vocês não os tenham lido ainda e receiem perder a surpresa.


“Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte”

“ ... por que ao chegar a este outro lado do mistério, achei-me com um pequeno saldo, que é a derradeira negativa deste capítulo de negativas: - não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria”

( Começo e Fim de Memórias Póstumas de Brás Cubas – Machado de Assis)


“ Ele era um velho que pescava sozinho em seu barco, na Gulf Stream. Havia oitenta e quatro dias que não apanhava nenhum peixe”

“ Lá em cima, na cabana, o velho estava dormindo de novo, com o rosto escondido no Monet de jornais que lhe servia de almofada. O garoto estava sentado ao seu lado, observando-o. O velho sonhava com leões”

(Começo e Fim de O Velho e o Mar – Ernest Hemingway)



“ Era tarde da noite quando K. chegou. A vila estava mergulhada em neve. A colina do Castelo estava oculta, velada pela neblina e pela escuridão, não havia sequer uma fresta de luz para mostrar que ali havia um castelo.”

“Era a mãe de Gestäcker. Ela estendeu a mão trêmula para K. e fez-lhe sinal para sentar-se ao seu lado; falava com dificuldade, quase não se podia entender o que ela dizia. ( fim do manuscrito)”

(Começo e Fim de O Castelo – Franz Kafka)


“ Era uma vez... Um rei! – dirão imediatamente os meus pequenos leitores. Não meninos, vocês erraram. Era uma vez um pedaço de madeira”

“ Pinóquio virou-se e ficou olhando-a. E depois de olhá-la por um bom tempo, disse para si mesmo com uma enorme complacência:

- Como eu era engraçado quando era uma marionete! E como agora estou contente por ter me tornado um bom menino!”

(Começo e Fim de Pinóquio – Carlos Collodi)


“ Alice estava começando a se cansar de ficar sentada ao lado da irmã à beira do lago, sem ter o que fazer: uma ou duas vezes ela tinha espiado no livro que a irmã estava lendo, mas o livro não tinha desenhos nem diálogos. “ E de que serve um livro”, pensou Alice, “ sem desenhos ou diálogos?”

“ Por fim ela imaginou que esta irmãzinha seria no futuro uma mulher adulta, que ela conservaria nos anos mais maduros o coração simples e amoroso da sua infância, que ela reuniria ao redor de si outras crianças, fazendo os olhinhos brilharem desejosos de mais uma história estranha, talvez até com o sonho do País das Maravilhas...”

(Começo e Fim de Alice no País das Maravilhas – Lewis Carroll)


“ No saguão do Tigre Palace Hotel em Bagdá, uma enfermeira de hospital terminava uma carta. A caneta deslizava veloz sobre o papel”

“ Ai meu deus, não é que o Dr. Reilly tinha razão? Como é que a gente faz para parar de escrever? Se eu pudesse encontrar uma frase realmente boa, que produzisse o efeito desejado... Vou perguntar a ele se não conhece algum frase em árabe. Que nem a que M. Poirot usou. Em nome de Alá, o Clemente, o Compadecido, algo por esse estilo.”

(Começo e Fim de Morte na Mesopotâmia – Agatha Christie)


3 comentários:

  1. Uma pra você também:

    "Em meus anos mais jovens e vilneráveis meu pai me deu um conselho que ficou na minha cabeça até hoje. Sempre que tiver vontade de criticar alguém, me disse, lembre-se de que nem todas as pessoas neste mundo tiveram as vantagens que você teve".

    "Gatsby acreditava na luz verde, no futuro orgástico que ano a ano recua à nossa frente. Ele nos escapar então, mas isto não importava - amanhã correremos mais rápido, estenderemos mais adiante nossos braços... E numa bela manhã-
    E assim prosseguimos, barcos contra a corrente, arrastados incessantemente para o passado".

    (O Grande Gatsby - F. Scott Fitzgerald)

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  2. Uma pra você também:

    "Em meus anos mais jovens e vulneráveis meu pai me deu um conselho que ficou na minha cabeça até hoje. Sempre que tiver vontade de criticar alguém, me disse, lembre-se de que nem todas as pessoas neste mundo tiveram as vantagens que você teve".

    "Gatsby acreditava na luz verde, no futuro orgástico que ano a ano recua à nossa frente. Ele nos escapar então, mas isto não importava - amanhã correremos mais rápido, estenderemos mais adiante nossos braços... E numa bela manhã-
    E assim prosseguimos, barcos contra a corrente, arrastados incessantemente para o passado".

    (O Grande Gatsby - F. Scott Fitzgerald)

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  3. Bah, péssima hora para não estar com o "Pergunte ao pó" do John Fante em mãos.

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pode falar, eu não estou ouvindo