terça-feira, 2 de novembro de 2010

Curso Prático de Datilografia


Fato que sou da incrível geração plugada, tecnológica, descolada e blá blá blá, mas a verdade é que aprendi a digitar em uma máquina de escrever. Pois é, com tinta, barulho e corretor líquido para as rasuras. Não se tratava de uma Olivetti, mas de alguma marca menos conhecida, menos charmosa e mais barata. Também não foi em uma redação esfumaçada de um jornal esquerdista, escrevendo romances eróticos ou furos de reportagem contra a ditadura. Até por que eu tinha onze anos, a ditadura tinha acabado e não dá para imaginar um romance erótico escrito por um pré-adolescente virgem e orelhudo.

Aprendi a digitar nos fundos da loja de embalagens do meu pai, escondido dos clientes. Quando pequeno, ele me levava para ajudar no caixa e eu, demonstrando grande tino empreendedorístico, fugia ao primeiro sinal de movimento. Ia me esconder na saleta onde os funcionários lanchavam. Por isso, essas recordações sempre me aparecem com cheiro de pão com manteiga, café e baratas. Um dia meu pai chegou com um Curso Prático de Datilografia, comprado na banca da esquina e disse: Aprenda isso, vai ser útil para o seu futuro. Bem, ele não disse exatamente isso, mas lembro que usou coisas relacionadas à utilidade, futuro, função social, superação própria e às minhas orelhas.

O Curso Prático de Datilografia consta nos arquivos de minha memória como a primeira coisa que consegui realizar por completo - início, meio e fim - e por própria conta. Lembro-me de lutas homéricas para continuar as séries de vinte digitações de ASDF LKJH, de trás para frente e de frente para trás, sem cair na tentação de desistir e ir assistir outro episódio de Cavaleiros do Zodíaco. Para se ter uma idéia da importância do evento, basta lembrar que eu, aos onze anos, nunca tinha zerado nenhum jogo de videogame, nem Mario e, devido a timidez, mal dava conta de terminar frases simples como “ Posso ir ao banheiro?” ou “ Sua casa está pegando fogo”. Enfim, numa análise fria e científica, afirmo categoricamente que hoje, depois de escola, faculdade e aulas de idiomas concluídos, o Curso Prático de Datilografia ainda é minha maior aquisição intelectual de todos os tempos.

2 comentários:

  1. eu não fiz curso de datilografia. mas, tinha uma máquina de escrever em casa. era vermelha e eu adorava escrever cartas, histórias e outras coisas com ela. [/nostalgia]

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  2. Meu avô tinha uma máquina, mas ele nunca me deixava digitar usando papel ou tinta, então eu ficava apenas escrevendo sem necessariamente escrever. Parecia mais divertido na época do que soa agora, sério.

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pode falar, eu não estou ouvindo