Falar mal dos outros é o esporte favorito de dez em dez seres
humanos racionais civilizados. É praticado em diversas modalidades, da ironia
gratuita à simples ofensa de trânsito, passando pelo comentário rancoroso, o
humor político, a calúnia, e chegando a possibilidades bem exóticas como a
crítica construtiva. Para além de seu
valor lúdico, considera-se também que falar mal possua grande importância
terapêutica e seja um meio de afirmação social.
Na parte da afirmação social, nota-se como o ato de falar mal
se regula segundo regras, ainda que a maioria de seus praticantes sequer note
isso. Porque, ao falar mal de alguém, automaticamente se fala algo sobre si
mesmo. Por exemplo: quando Marinalva,
numa amistosa briga conjugal, no meio da rodoviária às seis e quarenta da
tarde, chama seu marido Josenildo de corno manso, ela está automaticamente se chamando de outra
coisa.
Dependendo do alvo da calúnia, falar mal pode pegar muito bem
ou pegar muito mal. Isso porque falar mal tem a ver com construir personagens e
o que se pretende, quase sempre, é construir um vilão e um mocinho. Entretanto,
a maior parte dos vilões e mocinhos já está construída e, desse modo, acaba-se que falar mal significa apenas
confirmar idéias já criadas. Criticar o governo, um vilão tradicional,
significa posar de mocinho, assim como falar mal da vida, do tempo, do chefe ou
do trabalho, etc.
Mas e o caso contrário? Quais seriam as cartas brancas do
falar mal? Aqueles que não se pode criticar, visto que isso inverteria os
papéis, transformando quem critica em vilão e quem é criticado em mocinho? A
quem não devo caluniar sob o risco de ser
visto como um vilão absoluto?
Não posso falar de mal de gays. Em tempos modernos, criticar
os gays pode ser considerado crime. E não importam as gradações: se uma ofensa
gratuita e pessoal ou se uma crítica pertinente. Falar mal de gays me
transformaria num homofóbico. Não posso falar mal do povo, pelo menos não
diretamente. Dizer por exemplo que o país é essa merda porque o povo é uma
merda seria o mesmo que matar criancinhas no Natal. Não posso falar mal da
liberdade de imprensa, nem da liberdade de expressão, afinal será que eu quero
voltar ao totalitarismo? Não posso falar mal das mulheres! Porque tenho que
entendê-las e tolerá-las como elas são, e isso significa que devo aceitar suas
falhas como acertos e seus defeitos como resultado de séculos de opressão. Ou
então serei machista, ou gay. Mas, sobretudo, se não quero ser um vilão total e
absoluto, se não quero ser tachado de novo anticristo, não devo, não posso, não
ouso falar mal das árvores. Por que, afinal, quem falaria mal das árvores?
Minha mãe sempre conta da amiga dela que saiu para pegar algo e, quando voltou, disse: "A gente tava falando mal de quem, mesmo?"
ResponderExcluir