sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

O dia mais longo do ano e outras histórias sem sal





No dia mais longo do ano, resolvi acordar tarde. Minha cama afundou no formato de meu corpo, o travesseiro partiu-se ao meio, meu pijama listrado aderiu à pele, e a baba solidificou formando estalactites. Mas de nada me adiantou: levantei e ainda eram seis e quinze. No dia mais longo do ano, resolvi atrasar todos os compromissos: perdi os ônibus, perdi os trens, evitei atalhos, procrastinei decisões. Esperei o sol se por, a noite arriscar um passo, mas de que me adiantou? Ainda eram seis e vinte e cinco.


Vi um garotinho na estação, oito anos ou menos. O pai era um homem gordo de cavanhaque. A mãe, uma loira pintada. Na confusão tristonha das idas e vindas, o garotinho passou por mim e sorriu. Não sei por quê.Talvez por causa do meu cabelo sem pentear há vinte anos. Sei que ele sorriu. Em sua camisetinha descolada estava escrito: I need more rock in my life.  

Lembrei-me dos antigos japoneses que tinham uma arte para cada coisa que faziam: a arte de lutar com a espada, a arte de arranjar flores, a arte de arrumar a casa, a arte do arco e flecha e a fantástica arte de desenhar garotas com cabelos de cores improváveis. Ao invés da produção fordista de fatos, a demora artística em cada idéia. Comecei a suspeitar que os japoneses tinham dias muito longos. 


Resolvi contar meus gestos, para enfrentar o tempo bocejante. Três movimentos ascendentes para levantar da cama, um gesto circular para destrancar a porta, dez passos até a cozinha. Vinte e cinco mastigadas apressadas para o bolo, cinco goles por copo de suco. Quarenta escovadelas, duas borrifadas de água, sete olhadas indiscretas para a moça de vestido curto. Duas mentiras para evitar conhecidos no almoço. E tudo estava pronto antes do dia acabar, ao que me sobreveio uma sutil inquietude: será o dia mais longo do ano ou eu a pessoa mais rápida do mundo? 

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