No dia mais longo do ano, resolvi acordar tarde. Minha cama
afundou no formato de meu corpo, o travesseiro partiu-se ao meio, meu pijama
listrado aderiu à pele, e a baba solidificou formando estalactites. Mas de nada
me adiantou: levantei e ainda eram seis e quinze. No dia mais longo do ano,
resolvi atrasar todos os compromissos: perdi os ônibus, perdi os trens, evitei
atalhos, procrastinei decisões. Esperei o sol se por, a noite arriscar um
passo, mas de que me adiantou? Ainda eram seis e vinte e cinco.
Vi um garotinho na estação, oito anos ou menos. O pai era um
homem gordo de cavanhaque. A mãe, uma loira pintada. Na confusão tristonha das
idas e vindas, o garotinho passou por mim e sorriu. Não sei por quê.Talvez por
causa do meu cabelo sem pentear há vinte anos. Sei que ele sorriu. Em sua
camisetinha descolada estava escrito: I
need more rock in my life.
Lembrei-me dos antigos japoneses que tinham uma arte para
cada coisa que faziam: a arte de lutar com a espada, a arte de arranjar flores,
a arte de arrumar a casa, a arte do arco e flecha e a fantástica arte de
desenhar garotas com cabelos de cores improváveis. Ao invés da produção
fordista de fatos, a demora artística em cada idéia. Comecei a suspeitar que os
japoneses tinham dias muito longos.
Resolvi contar meus gestos, para enfrentar o tempo bocejante.
Três movimentos ascendentes para levantar da cama, um gesto circular para
destrancar a porta, dez passos até a cozinha. Vinte e cinco mastigadas
apressadas para o bolo, cinco goles por copo de suco. Quarenta escovadelas,
duas borrifadas de água, sete olhadas indiscretas para a moça de vestido curto.
Duas mentiras para evitar conhecidos no almoço. E tudo estava pronto antes do
dia acabar, ao que me sobreveio uma sutil inquietude: será o dia mais longo do
ano ou eu a pessoa mais rápida do mundo?
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