Sem muito aviso, a luta livre se tornou assunto hegemônico na
mídia. Assim, aparentemente do nada, lutadores ocuparam capas de revista,
horários de TV aberta, propagandas de carro e de pasta dental, filmes e mesas
de debate esportivo. E, mais que depressa, o tema se infiltrou nos assuntos
cotidianos, nas conversas de boteco e nas discussões dos intervalos de
trabalho.
Não tenho nenhuma
opinião sobre MMA ou Anderson Silva ou qualquer coisa do tipo.O que realmente
me intriga é a naturalidade com que um tema antes incomum passa a ser aceito
pelas pessoas como se fosse muito familiar.
De repente, todo mundo fala de luta, todo mundo assiste e gosta ou
desgosta, todo mundo exalta a tradição brasileira em luta ou reclama da
violência exacerbada, mas quase ninguém matuta sobre o fato de que, há menos de
dois anos atrás, isso sequer era pauta, sequer era assunto. Ninguém se
predispõe a pensar em como nomes, regras, jargões, heróis e eventos antes
obscuros de repente são comezinhos, são rotineiros, como se nunca houvesse sido
diferente.
No livro 1984, de Orwell, o país do personagem
principal vivia em guerra com um adversário terrível. As pessoas tinham momentos específicos para
declarar seu ódio ao inimigo, e faziam-no numa orgia coletiva e catártica. O
curioso é que, de acordo com interesses obscuros, as vezes o inimigo mudava.
Mais que depressa, os jornais e a TV simplesmente passavam a falar o nome do
outro inimigo, e apagavam o nome antigo. As pessoas passavam a odiar aquele
outro inimigo com a mesma veemência com que odiavam o anterior, como se tivesse
sido sempre ele o inimigo número um. Orwell imaginou isso em uma ditadura total
e sufocante, de padrões fascistas. O que ele faria se soubesse que nem era
preciso tanto?
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