A gente aprende na faculdade de jornalismo que é muito
importante mostrar sempre os dois lados da questão. Mas não é preciso faculdade
alguma pra se descobrir que, nesse mundo, poucas questões têm apenas dois
lados.
Ainda assim, insistimos na dualidade. Não que não suspeitemos
da complexidade do mundo, mas parece mais fácil lidar com tudo quando há dois
pólos bem definidos. É como se nossas
sofridas cacholas só se sentissem confortáveis, e donas da situação, quando
pudessem separar as coisas em certas e erradas, boas e más, verdadeiras e
falsas.
Nisso reside o princípio da guerra e, por parentesco
semântico, da polêmica, que seria,
basicamente, tratar de um assunto dividindo-o em dois pólos muito bem definidos.
Tanto a guerra quanto a polêmica geram essa visão extremada dos assuntos. Mas
se a polêmica é uma maneira dual de ver o mundo, então, na verdade, não existem
assuntos polêmicos, e sim uma forma polêmica de ver tais assuntos. A polêmica
está, portanto, em pegar qualquer tema, criar uma linha que o divida em dois
pedaços, botar um time de um lado e outro doutro, e vender os ingressos pra
platéia.
Jornais, páginas de internet, folhas de revista, redes
sociais, todos são pródigos em nos bombardear com temas polêmicos, assuntos
polêmicos, pessoas polêmicas, etc. A simples menção da palavra já nos chama a
atenção, ou vai dizer que o fato dela estar no título desse post não te fez
correr os olhos com mais interesse pelo texto?
A mídia (ou seja, nós mesmos) se profissionalizou em pegar
assuntos complicados e mostrá-los como polêmicos, no sentido que dou ao termo
nesse texto. Pense no aborto – trata-se de um tema extremamente complexo, que
depende de vários aspectos, que interfere nas decisões e vidas de várias
pessoas. Não poderia nunca ser tratado como um simples caso de “contra ou a
favor”, de “ sim ou não”. Porque, como já dito, se visto assim, de modo
polêmico, ele gera apenas briga, discussão entre pólos que não se misturam, e
não debate real. A mesma coisa vale para assuntos como casamento gay,
legalização da maconha e até mesmo, num sentido mais amplo e difícil, eleições
para cargos públicos. Não são temas que se resolveriam com um simples “ sim ou
não”, “ bom ou ruim”, “ certo ou errado”.
Curiosamente, a mídia também é especialista em tomar questões
que são, naturalmente, polêmicas e desenvolvê-las como se complexas. Um
exemplo? Futebol. Como todo jogo, o futebol é, por excelência, um embate
polêmico: há dois times, um objetivo, e o melhor ganha. É polêmica pura,
simples, binária! Mas nós gostamos de criar assunto em cima, de rever lances,
discutir combinações, teorizar, mitificar, inventar tradições, dizer que é
muito mais que isso. Mas não é. As variáveis são poucas e repetidas, os
desafios são os mesmos de sempre, é cíclico.
E assim vamos todos nós. Usamos nosso tempo para discutir os
dois lados das questões que tem mil lados, e para achar os mil lados das questões que mal tem um. E o
tempo, essa coisa que não tem lado nenhum, passa por nós sem questionar.
Adorei o texto, concordo plenamente com o exposto! Quero deixar minha indignação diária, que é fruto disso que a midia faz:
ResponderExcluirSempre fico puto ao assistir o jornal depois do almoço e ver que se tem 5 min pra CITAR o que se passa no MUNDO INTEIRO,em questões políticas e economicas, vinte minutos para crimes e seus julgamentos, mais 5 min pra outra besteira qualquer.. e mais 40 minutos dedicado a DISCUTIR o futebol brasileiro!!!
Os humanos, por natureza, criam muros e se dividem. Torcem pra times diferentes, ouvem bandas diferentes. Para os mais desprovidos de senso crítico segue a regra ditada pela mídia, o que ela vende é incorporado facilmente a qualquer um.
ResponderExcluirO que mais impressiona nesse poder midiático é: ao invés de utilizarem essa força para instruir as pessoas e criarem uma nação mais sábia, se utilizam dos meios que têm para polemizar a tudo a todos.
Mas tenho esperança que veículos de comunicação como os nossos ainda revolucionarão a mente das pessoas.
A Sábia Ignorância:
http://asabiaignorancia.blogspot.com/
Para de falar mal do futebol porra!
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