segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Algo sobre meninos e idéias


O menino achou no livro de português uma tirinha definitiva. Uma tira da Mafalda que o fez rir sozinho por três dias e depois ficar imensamente sério. Aqueles três quadrinhos e 2 falas em balões haviam resumido todo o seu modo de entender a vida, suas idéias e seus conceitos sobre as pessoas e o universo. Era a tira definitiva.

De início, o menino quis espalhar pelo mundo a Verdade Revelada. Não foi possível. As pessoas na maioria das vezes não percebiam nada de especial. Algumas riam, outras não e quase todas não davam o valor devido a algo tão valoroso. Custou até o menino entender que, na verdade, aquela tirinha era a explicação cabal e perfeita da sua própria vida e não da Vida como uma instituição universal. Por isso, tornou-se seletivo. Mostrava a Tira apenas aos seus mais íntimos amigos e a aqueles que ele suspeitava que o entendiam bem. Isso o fez perder muitas amizades e a ganhar outras poucas e especiais.

Quando a adolescência chegou, e com ela as espinhas e a auto-afirmação, o menino entendeu que as mulheres de sua vida deveriam saber ler a Tira. Era sua forma de escolher. Teve dificuldade com a primeira namorada, pois suspeitava que ela não entenderia. Por isso demorou umas semanas para mostrar. Mas foi tiro e queda. Ela não entendeu e ele terminou. Seguiu-se assim com todas as outras. Não lhe interessava a cor do cabelo ou a preferência musical, ou os tão bem fornecidos dotes femininos. Em determinado momento do flerte, entre um olhar e outro, ele mostrava a Tira e definia os rumos.

Com o tempo, passou a se desvencilhar das preliminares. Não tinha mais paciência para flertes e conversas, por isso mostrava de uma vez a Tira e, se a menina conseguisse entendê-la de cara, ele seguia em frente. Não é difícil dizer que o menino se tornou um solteiro angustiado. Não é por que a Tira fosse complicada demais. Complicado era ver em sua pequena piada a explicação vital que o menino enxergava.
Até que enfim chegou o dia em que ele encontrou a menina. A tal menina, aquela que leu a Tira e riu por três dias, que soube explicar-lhe exatamente aquilo que ele já entendia. A menina de seus sonhos, que percebia a vida como ele percebia. O menino não sabia o que fazer de tanto contentamento e júbilo. Ria de si mesmo, ria por si próprio, ria em consonância. Pegou a menina pela mão e rodopiou com ela, jogou-a para o alto como fosse um balão de festa. E, na volta do sorriso, a menina também segurou em suas mãos, mas apenas para contê-lo. Ela então tirou da bolsa um pedaço de papel e entregou a ele. Era uma Tira do Calvin. Ela pediu que ele lesse e observou seus gestos e sua resposta. Ele leu e riu amarelo, achou boba a piada, sem vida o desenho e sem sal a história. Disse a ela: legal essa tirinha. E ela, murchando dentro de si mesma, foi-se embora para nunca mais voltar.

6 comentários:

  1. O que eu aprendi: nunca baseie sua vida (principalmente amorosa) em tirinhas.
    Poxa vida, achei que teria um final feliz, Zé!
    Mas é a vida, né?
    Ótimo texto!
    Beijos!

    ResponderExcluir
  2. p.s: quando vc disse que o texto era sobre tirinhas pensei que fosse algum comentário sobre pessoas sem-criatividade que ficam postando tirinhas em seus blogs.

    ResponderExcluir
  3. zé, eu quis o texto todo ler a tirinha, cadê? não dá pra enxergar. você está inspirado sim, zé. e vive reclamando que não!

    ResponderExcluir
  4. Zé!É incrível cm vc me surpreende a cada texto!Você conseguiu escrever de forma sutil e perfeita o verdadeiro segredo da vida!Impressionante!Você sabe que nasceu pra isso né?Parabéns pelo ótimo texto!Como sempre uma semana azul pra vc!Se cuida!Bjus

    ResponderExcluir

pode falar, eu não estou ouvindo