quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Cena de verão no correio - ou mayonaise


Era um dia quente pra burro; eu entrei na agência de correio e senti minha pele suspirar de alívio com o ar condicionado. Poderia ser feliz para sempre ali. Claro que a vida, em sua alegre dualidade, deu logo o troco: uma fila gigantesca. Surpreendentemente grande para um começo de tarde ensolarado. Fui até a mesinha de lado, besuntei de cola a tampa da carta, escrevi o endereço e segui para a fila. Na minha frente, uma daquelas peruas mega perfumadas que parecem travecos e que usariam óculos escuros, salto alto e maquiagem em uma guerra civil. Massa! pensei. Depois dela, um daqueles queridos executivos gordos que se perfumam como se fossem o prato principal de algum jantar. Fascinante.

Certos perfumes, em certas quantidades, causam em mim o mesmo efeito que um muçulmano entrando correndo dentro de uma sinagoga perto da faixa de Gaza. Dez minutos e meu nariz parecia uma abóbora. Era uma sorte, por que, com mais vinte minutos, eu poderia usar a fila para deficientes físicos.

Então entra a menina. Ela sente o ar condicionado, depois olha para a fila e faz uma careta. Vai até a mesinha de lado, besunta de cola a tampa da carta, escreve o endereço e segue para a fila. Na frente dela, está um rapaz de bermuda, cabelo despenteado, all star e uma eterna mania de não saber onde colocar os braços – eu. Tento não olhar demais, mas já é tarde: droga, como é bonita. Daquela beleza não ofensiva, que se mostra a medida que procuramos. Sinto, como é de praxe, a urgente necessidade de falar-lhe alguma coisa. De preferência algo genial que a faça se apaixonar perdidamente por mim e tirar a roupa. Ou só tirar a roupa. Mas ela, tão breve quanto entrou, enfia fones de ouvido nas orelhas e se fecha.

Foi quando a adolescência me salvou. Bendita adolescência! Dos fonezinhos, a uma altura pouco recomendável, salta um som familiar. mashing Pumpkins... A banda número 1 dos meus 16 anos! A música era Mayonaise:

Shut my mouth and strike the demons
That cursed you and your reasons
Outo of hand and out of season
Out of love and out of feeling
So bad.
When I caaannn
I will

Agora falar com ela havia se tornado uma obrigação. Afinal, não é todo dia que encontramos moças que escutam smashing pumkins em filas de correio.

- Smashing Pumpkins...
- HEIN? ( tira o fone de um ouvido)
- Smasing Pumpkins...
- É!

Pronto, falei. Não tinha mais nada a dizer. Podia comentar do calor, o que seria ridículo. Alguma piada sobre filas? Podia passar uma cantada! Genial! Apenas sorri e ia me virando, quando ela tirou os dois fones do ouvido:

- Estava assim tão alto?
- Não muito. Achei que era o som ambiente do correio...
- Ahahahah
- Fazia um bom tempo que não escutava essa música.
- E isso por que, em tese, você nem deveria estar escutando. Ficarei surda antes de ficar gagá.
- Eu te entendo. Também só escuto isso no máximo. O que mais toca aí?
- Um pouco de tudo.
- Sertanejo?
- Um pouco de tudo que seja audível.
- Bom, vamos fazer assim: Se tiver uma música do The Cure aí você me acompanha num sorvete depois que remetermos nossas respectivas cartas.

Ok, uma pausa explicativa: Eu realmente falei isso. A minha tese é que, de vez em quando, um espírito maligno de algum pedreiro da idade média se apossa do meu corpo, faz um estrago, e depois vai embora construir catedrais no inferno. Não significa que eu não seja um cara tímido, que eu saiba lidar com garotas ou que eu tenha coragem ou algo dessa cor. Significa apenas que um pedreiro da idade média as vezes baixa em mim e... Ok.

- Inbetween the days, mas é um cover - ela disse e riu.
- Do Herbert Vianna?
- Isso! Conhece?
- Demais.
- É rapaz! A música propiciando novas amizades...
- Ahahhahahah – pensei: menina com senso de humor. Fatal.
- Tem uma sorveteria logo ali embaixo. Não é lá grande coisa, mas o sorvete é gelado e a televisão passa a sessão da tarde.
- Meu namorado está esperando no carro. Vim só deixar essa carta. Mesmo assim, foi um bom convite.
- Defina um bom convite.
- Um convite que eu teria aceitado em outras circunstancias.
- Bem, acho que isso que você acabou de me dizer salvou o meu dia.
- (O sorriso mais bonito do ano. Provavelmente tão bonito por estar inalcançável)
- Posso te pedir outra coisa?
- O que?
- Coloca outra do Smashing Pumpkins aí.
- Claro. Toma um fone.
- Ok

7 comentários:

  1. caramba! isso aconteceu mesmo?! OO

    bela situação. adorei tudo. ;*

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  2. Se tivesse Friday I'm In Love no radinho dela teria dado certo...

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  3. Zé! te indiquei um meme no meu blog. Leia o último post. Acho que você vai gostar da idéia. ;)

    Beijo. ;**

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  4. "A minha tese é que, de vez em quando, um espírito maligno de algum pedreiro da idade média se apossa do meu corpo, faz um estrago, e depois vai embora construir catedrais no inferno."

    Texto pequeno mas brilhante. Quer dizer, ela poderia ter te arranjado um final melhor, mas exijir que a menina seja bonita, tenha um gosto legal pra música, tenha interesse e ainda seja solteira é, sei lá, pedir demais...

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  5. Quase surreal.
    (E Passar por aqui é sempre uma boa surpresa).

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pode falar, eu não estou ouvindo