sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Os cânones do bom senso comum.


Por que, para aparentar lucidez e bom senso, é necessário não dizer certas coisas e, principalmente, dizer outras.

1. Sempre, em qualquer hipótese, fale mal do Nazismo e defina Hitler como a encarnação do Mal. Nunca tente relativizar citando outros genocídios, matanças, ditaduras da história humana. Nem pense em lembrar que o extermínio de índios pelos europeus matou muito mais gente que o Holocausto e sob nenhuma circunstância cite passagens do Antigo Testamento que insuflam a limpeza étnica de cananeus e outros povos.


2. Se é para falar de música brasileira boa, cite a santíssima trindade: Chico Buarque – Vinícius de Morais – Tom Jobim. Nunca fale mal de Chico Buarque. Nunca pondere que a Bossa Nova, ícone da música brasileira, foi, na verdade, uma introdução de conceitos norte-americanos no samba e por isso fez sucesso no exterior. Não se esqueça de dizer que Elis Regina foi a maior cantora nacional.

3. Persevere na tradição de dizer que as músicas de hoje são muito piores que as de ontem. Que os escritores de hoje são muito piores que os de ontem. Que a juventude de hoje é muito pior que a de ontem, mesmo que você faça parte da juventude de hoje e não da de ontem. Mesmo que você não tenha vivido a época das músicas de ontem, nem dos livros de ontem. Sinta saudade de épocas que não viveu.

4. Seja um relativista extremo. É de bom tom achar que tudo é relativo. Ache ruim quando uma pessoa fala mal de gays ou mulheres ou negros. Por que extorquir sua empregada negra pode, mas chamá-la de preta não. E também por que um hetero boçal e corrupto é um idiota e um gay boçal e corrupto é uma vítima da sociedade.

5. Fale mal de crentes, mas nunca da fé ou da doutrina. Fale mal de pastores e fiéis que lhe vem encher o saco domingo de manhã. Critique os crentes e não a crença. No quesito crença, utilize o cânone anterior: seja relativista. Defenda a liberdade de religião, de imprensa, de vestuário, de sexo. E continue criticando seu vizinho crente.

6. Fale mal dos políticos e se defina como um desencantado pela Política. Sempre que chamar alguém de pobre, acrescente outro adjetivo para amenizar sua ofensa: pobre, mas honesto; pobre ,mas trabalhador; pobre, mas bonita. Fale bem de pobres, mas só quando eles estão longe. Fale mal de ricos, mas só quando eles estão longe.


7. Fale bem dos beatles. Cite os beatles. Nunca, em hipótese alguma argumente que a música Love-me Do tem a mesma consistência literária e sonora que qualquer pérola do Jorge e Mateus ou do Asa de Águia. Tampouco ouse confessar que não conhece muita coisa de Elvis Presley e que acha aquela dancinha dele uma vergonha.



8. Diga que está ocupado. Uma pessoa de bom senso está sempre ocupada. Se as pessoas te perguntarem como você está, responda: estou aqui na correria. Não cite, em hipótese alguma, o tempo da correria que você perde atualizando seu orkut, conversando fiado com seus colegas de trabalho, ou apenas fingindo que está fazendo algo de útil. Se houver a possibilidade, diga que a vida não está fácil pra ninguém.

4 comentários:

  1. Boa, muito boa, quase um combo com a de ontem.

    (e evite falar qualquer coisa contra golfinhos também, as pessoas adoram golfinhos)

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  2. É muito importante ressaltar que vc está sempre na correria. Mesmo que seja entre jogar video-game e ir ao cinema.

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  3. Ó T I M O
    T U D O
    D E M A I S!
    haeihuae
    Adorei o texto. N é que é verdade!
    =D
    Abraço!

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pode falar, eu não estou ouvindo