terça-feira, 6 de julho de 2010

Leitura

As pessoas da minha cidade não lêem. Inútil afirmar o contrário, ou tentar achar relativismos e argumentos paliativos que sirvam de desculpa. Não se lê e ponto. O grosso da população, o brasileiro majoritário, não o faz devido aos velhos aspectos de sempre. São os únicos que se justificam; afinal, ninguém vai ler se não tem o que comer, se é semi-analfabeto, se o dinheiro não chega para as roupas. Está mais que desculpado. Mas você, minha amiga, que leu toda a saga do Crepúsculo e está lendo, e adorando, a Cabana, você precisa entender uma coisa: você também não lê. Nem o senhor, meu amigo, que compra o Popular todo sábado e passa os olhos nas matérias de Cidades antes de correr para as páginas do futebol. O senhor também não lê. Como não lêem todos vocês, queridos colegas de faculdade, que se enchem de livros e autores alemães e cospem citações a torto e a direito, como se quisessem matar moscas no ar. Nem vocês, queridas amigas, que se enfiam em suas Clarices e cecílias e suspiram, vítimas inconsoláveis de sua própria feminilidade e de suas próprias incertezas. Vocês também não lêem.

Ler não é se entreter. O Anjos e Demônios na estante, que te ajuda a descansar e se divertir nos fins de semana, que combina com seu sofá e uma tarde chuvosa, e que te impede de ficar maluca com o trabalho, ele está cumprindo a nobre missão de passatempo. Missão louvável, diga-se, mas não confunda: ele não é leitura. De modo análogo, o sanduíche do Mcdonalds na sua bandeja é apetitoso, cheiroso, atraente e vai matar a sua fome. Mas não se iluda: ele não vai te nutrir.

Ler não é se informar. Ser uma pessoa informada exige de sua mente um tanto mínimo de raciocínio, um tanto médio de atenção e um tanto máximo de memória. A mesma coisa te exige um jogo de caça-palavras. O jornal diário vai te ajudar com os assuntos no cabeleireiro ou na barbearia, mas não se iluda: não te fará uma pessoa mais lida. Do mesmo modo que saber o nome de um desconhecido não te fará íntimo dele.

Ler tampouco é se vestir. Se a construção que a leitura te possibilita é externa, de fora para dentro, se ela é uma fábrica de pele, pompa e circunstância, então os livros te prestam um desserviço. Se a leitura acrescenta palavras ao seu vocabulário mas não soma conceitos ao seu espírito, se você a usa para polir sua imagem e não para enrugar suas inquietudes, então você está prestando um desserviço a si mesmo. É como o fã que veste a roupa de seus ídolos para se passar por eles.

A leitura é uma ferramenta com que se pode construir tudo. Mas ela depende de quem a utiliza. O texto em si é um objeto inanimado, está morto. Nenhum texto diz coisa alguma. É preciso ler, mas é preciso saber pra que se lê. Por que do objetivo que temos ao ler sairá a leitura que faremos. As pessoas da minha cidade não lêem por que elas não o fazem com consciência de seu objetivo. Lê-se para se divertir, para parar de sofrer, para se rebuscar. Mas para isso já nos servem a televisão, os analgésicos e as roupas chiques. Lêem livros como se comprassem sapatos, ou fizessem sexo, ou fossem ao cinema. Não há nada de errado nisso mas você, meu amigo, precisa entender que, com esse objetivo, ler um Dan Brown ou um Guimarães Rosa, tanto faz, terá o mesmo efeito de tomar um sorvete. Não se percebe que essa ferramenta é capaz de coisas muito mais profundas. E se você, minha amiga, leu Crepusculo, Harry Potter, Codigo da Vinci, Fortaleza Digital,todos do Paulo coelho, bem, você poderá dizer que é uma pessoa que lê muito. Mas, francamente, você está mentindo.

5 comentários:

  1. uau! que revolta. mas, porque não podem existir vários tipos de leitura?

    e você, lê como sugere? o/

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  2. Bem, se fosse aqui no meu trabalho alguém ia comentar que tomou fora da balconista da livraria, mas como o Zé tem namorada, não pode ser isso...

    Discordo de algumas coisas, mas acho que concordo no principal, de que a leitura te oferece o que você se dispõe a procurar nela...

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  3. Cara, vc precisa aprender a formatar esse blog direito. Todo post a fonte sai de um jeito diferente.

    P.S: Não li, sabe como é. Grande demais e sem figuras.

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  4. Ouch'
    "Discordo de algumas coisas, mas acho que concordo no principal! [2]

    Concordo com a alfinetada na nossa cidade. Discordo de Harry Potter na mesma lista da dan brown e do coelho. Acredite, nem sempre quando o filme é uma droga e quando os fans são tapados o livro segue o mesmo rumo... Sei que é bonito e cultíssimo falar mal de HP, mas o livro tem umas sacadas bem boas.

    XP

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  5. Achei meio... meio demais.

    Existe um trunfo das leituras medianas, já conversamos sobre isso?

    Entendo que a leitura fútil é o primeiro passo para uma leitura eficiente. Meu primeiro livro não tinha palavras ou letras, era um livro de figuras que contava a história de um ratinho. Tinha o objetivo de me despertar pelo gosto dos livros.

    Meu segundo livro era sobre um barquinho de papel. Não comecei com Machado de Assis (que até hoje li muito pouco, diga-se de passagem).

    Então entendo que esse post tem um trunfo: despertar aqueles de leitura mediana (que estão prontos) a iniciar uma leitura mais eficiente. Entretanto, de verdade, nenhum desses irá ler seu blog, mas vc desperta reflexão em outros, esse é seu verdadeiro trunfo.

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pode falar, eu não estou ouvindo