segunda-feira, 21 de março de 2011

Oba oba, Obama


Obama veio, sorriu, falou, dançou, deu o tchauzinho e foi embora. Fez direitinho o papel dele, acho até que com muito mais charme que qualquer outro presidente norte-americano. E nós também fizemos nosso papel: assistimos, comentamos, fuxicamos, interrompemos nossa programação, babamos cor de rosa. A insistência em escolas de samba, rodas de capoeira e rios de janeiro prova que os papéis ainda são os mesmos. Do lado de lá, a mistificação do líder ainda segue suas exigências pitorescas; do lado de cá, ainda gostamos da novela da coisa, ainda nos fascina o que foi criado pra fascinar, ou nos mete medo o que foi desenhado para meter medo, ou nos faz alegre o que foi programado para alegrar. Duas partes de um processo que é tão necessário e útil hoje quanto sempre foi: o processo de criar mitos e de acreditar neles.

Criar mitos é uma especialidade norte-americana. Mas não é só deles. Os romanos eram tão bons na coisa que transformavam seus líderes em deuses, os franceses faziam de um espirro real um evento digno de canapés em Versalhes, cristãos construíram um país para abrigar o papa. Todo esse pessoal entendeu algo muito simples: o que realmente define e determina a conduta de um povo é o que está fixo em seu imaginário. E o imaginário popular não é exatamente complicado ( ainda que seja complexo). Na verdade, ele se pauta por idéias simples, representadas por metáforas bem óbvias. Quer dar a idéia de grandiosidade? Tenha um avião grande. Obama tem. Quer dar a idéia de disciplina? Tenha militares andando de modo gozado e sincronizado. Obama tem. Quer dar a idéia de superioridade? Traga comida e carros de seu país para não usar os nossos. Obama trouxe. Nada de sutilezas, complicações, rimas difíceis, poesia. As potências culturais que se prezam entendem que é mais fácil acreditar no óbvio.

Acreditar em mitos óbvios é uma especialidade brasileira. Certamente não é só nossa. Mas um observador externo ficaria confuso com o fato de que nós recebemos do mesmo modo presidentes norte-americanos e cantoras internacionais, líderes europeus e atores de cinema. Diante de qualquer raça de celebridade, independente de suas peculiaridades, a imprensa nacional e os prosadores de boteco e escritório espraiam pelo país o clima de cidade do interior. Sentamo-nos em nossas cadeiras e fofocamos sobre tropeços, penteados e visitas. O forasteiro pode ser quem seja; Obama ou Madonna, nós dispensamos sempre a mesma recepção tupi-cristã. Braços abertos na Guanabara, pernas abertas no resto do país. Porque não nos importa mesmo quem ele é, e sim o que ele representa. Nos traços gerais do mito, nas idéias simples, está a base de nossa crença: mais fácil acreditar naquilo que não se conhece, pois o desconhecido cabe melhor em definições rasas: bom, mau, rico, pobre, poderoso, fraco.

Quando um morador de favela diz que Obama “vai reformar a comunidade” ou “ vai ajudar a vencer os preconceitos aqui”, ele não está falando de Barack Obama, quadragésimo quarto presidente norte-americano. Está falando do mito do salvador, do superior, do super-herói. Está falando de Jesus, de São Sebastião e de Clark Kent. Falaria a mesma coisa para qualquer um desses personagens. O Brasil é uma grande cidade do interior goiano. Vamos às janelas e às varandas assistir o cortejo do rei, sem saber dele mais que o nome e de onde vem. Será bem recebido, paparicado mas, se for esperto, não se deixará enganar: fazemos isso com todos. Parecemos gentis selvagens, mas não somos nem tão gentis e nem tão selvagens. Parecemos submissos, mas só estamos desatentos. Nossa ignorância nos cega. E nos protege.

3 comentários:

  1. Acho que acabei ficando de fora de grande parte da repercussão da chegada do Obama. Só notei a presença do maior líder do mundo livre quando ele acabou atrapalhando o trânsito e a minha rota da corrida do final de semana.

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  2. Sou Gay, me siga no twitter www.twitter.com/caximbeto

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  3. Os comentários aqui estão ficando exponencialmente mais inesperados conforme o tempo passa.

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pode falar, eu não estou ouvindo